I
Viemos devagar como quem longamente se interroga. Sugerimo-nos a espuma, e o que ficou foi sombra.
Ao sabor dos ventos procurámos os planos secretos da paisagem. Respondeu-nos o frio de muralhas erguidas em pedra antiga, orgulhosas, serenas, quase transparentes. No vértice da luz semeámos uma pátria inconsolável, uma pátria de estrelas e cantigas e automóveis deitados em círculo na relva. Subimos os degraus e não havia escada. Havia sede. Lá mais acima o céu ria-se, quem sabe se de nós. Olhámos em volta, e novamente em volta. As coisas giravam, parecia. As coisas sempre eram coisas, e tinham cores e cheiros.
E, de repente, o mar.
II
O mar surpreendeu-nos, secreto e silencioso. Desprendendo-nos de nós, procurámos os sons que nos situassem, o onde, o como, o se.
- Está frio...
A voz surgiu de súbito, talvez do mar, talvez do nada.
- Está frio.
A minha voz, único som aparente na estranheza da tarde, no divergir da luz. Ou seria a tua? Agarrámo-nos à voz, âncora de um inesperado crepúsculo rodeado de muralhas cada vez menos transparentes.
Lá em baixo, os automóveis levantavam-se. Comiam a relva, tranquilos, cerimoniosos, em círculo, sempre em círculo. A pátria inconsolável levantou a manta do piquenique e dobrou-a com cuidado, já a pensar na próxima vez.
Era tempo. Começámos a descer as coisas que sempre eram coisas, a escada que não havia, a ponte da tarde, os cheiros e as cores.
- Está frio.
23 comentários:
Amigo Alien8
Parabéns....gostei muito deste texto e, para mim, vem mesmo a propósito....coisas da "vidinha". O mar é surpreendente..... surpreende.....encanta....e consegue ser silencioso.
Abraço
Caro Parrot,
Há coincidências...
Gostei de que tenhas gostado.
Um abraço.
Parabéns Alien! Gostei!!!!!
Estás a perder o medo e a começar a colocar aqui o que escreves?
Teresa,
Obrigado! E não te riste nem nada. Hehe!
Não é medo, realmente. É outra coisa qualquer, que não consegui ainda definir bem. Mas vou continuar, devagarinho.
Neste caso, a parte I escrevi-a há um ano, a parte II escrevi-a ontem.
Boa noite e boa escrita.
De repente pareceu-me estar a ler "A espuma dos dias" de Boris Vian". Isto é um elogio:)
Ao mesmo tempo senti um desencanto, uma depressão na 2ª parte que se contrapões à magiada1ª parte que associei ao 25 de Abril 74 até agora. Não ligues, são apenas delírios meus:)
beijos
Olá amigo Alien :))
Estou a reflectir sobre o teu post...
Beijosssss
Wind,
Quem me dera, quem me dera! ("A Espuma dos dias"). Como diz mais abaixo o K'mrd, "é dos meus dias". :)
Um beijo.
Grhiba,
É dos meus dias, K'mrd, é dos meus dias. Talvez também dos teus. Neste dia gostaste, o que é bom para mim.
Um abraço.
Olá Tuché,
Fico à espera das conclusões da tua reflexão :)))
Beijinhos.
Alien
Um ano é demais, mas não é suficiente. Gostei.
Maloud,
Palavras sábias. Obrigado.
(Alien... Estamos à espera de mais...)
E depois acordaste...:)
Teresa,
Há-de vir, mais tarde...
Boa noite.
Maeve,
Bem-vinda ao blog.
Ainda não acordei :)
Sem Cerimónia,
Muito grato pelo elogio.
Boa noite.
II
.
...Está frio.
Porque sem ti estará sempre frio.
E tu afinal ... não estavas lá.
.
Alien8,
apeteceu-me continuar a parte final do seu texto.
Não ligue.
Hoje comi cogumelos mágicos (a mais).
Beijinhos
Diana F.
Cara Diana F.,
Continuar o meu texto é mais do que eu poderia esperar. Faz-me lembrar uma experiência que fizemos por aí há tempos, com a Cristina e outros amigos.
Que tal os cogumelos? :)
Boa noite, bom fim de semana,
Um beijinho.
Sim senhor mano, um Alien a escrever bem!! :D Tenho um sorriso de orelha a orelha, gostei!
Alien
Excelente texto.
Se pensarmos que foi escrito por um ET, melhor ainda.
Depois podemos embarcar na nave que pairava sobre a relva, e partir em direcção ás estrelas...:):):)
Beijos
Lola
Mana,
Ainda bem, ainda bem :))
Assim também me rio!
Boa tarde e boa noite.
Lola,
É muita bondade tua. Que diabo fizeste à nave, hein? :)))
Beijinho.
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