Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

6 de jul. de 2011

IDENTIDADE

Preciso ser um outro 
para ser eu mesmo 

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"