Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

11 de out. de 2008

Republicação

Do segundo post deste blog, tendo o primeiro sido apenas o anúncio da inauguração. Porquê? Para já, porque me deu para isso. E depois, porque este post teve, ao todo, um comentário, e provavelmente também apenas uma visita. Blog recém-nascido... ou seja, este post "não valeu". Confesso que não ligo muito a dias internacionais disto e daquilo. De resto, já existem tantos que me perco nesse labirinto, e creio que os ditos também acabam por perder o sentido. Mas ao 8 de Março estou atento, não só pela questão da igualdade de direitos (sim, todos os dias são dias de luta... mas é sempre bom que uma data em especial lembre as grandes causas que vamos porventura esquecendo no dia-a-dia), mas sobretudo porque esse dia se transforma num pretexto para me abstraír dos afazeres do quotidiano e me concentrar em pessoas importantes na minha vida, num pretexto até para escrever uns versos para essas pessoas e oferecer-lhos, coisa que, evidentemente, não posso fazer todos os dias. Pessoas muito importantes na minha vida, para quem escrevi a "Petição", são a Lola e a minha filha Renata, ao tempo com 16 anos. E este post é de novo para elas, fora de qualquer data comemorativa e a propósito de nada em especial e de tudo em particular. Elas saberão.


NOTA SOBRE O SEGUNDO POST :
O título destes versos tem para mim um significado algo irónico, por razões que não vêm ao caso. Portanto, o título foi escrito também em meu benefício. O resto não.

SEGUNDO POST
(publicado em 9-03-2006): -----------------------------------------------------------------------


PETIÇÃO INICIAL

Dá-me um cavalo uma alma uma nave
Algo que voe ou galope ou navegue
E seja azul ou de outra cor mas leve
No seu vagar qualquer coisa que lave

Dá-me uma curva um espelho uma pausa
Algo que brilhe e demore e seduza
E se transforme ao ar em luz difusa
Ou nada ou coisa que não tenha causa

Dá-me um comboio um apito um berlinde
Algo que parta ou que role ou decida
E ao passar perto da hora perdida
Nos traga a rima precisa de brinde

Dá-me um baloiço um esquadro uma vez
Algo que meça que oscile que seja
Uma surpresa o gesto que se beija
A última loucura que se fez

Dá-me um segredo uma cor uma uva
Algo que importe ou se cheire ou escorregue
(Mas não tropece nem ceda nem negue)
Por entre dedos ou gotas de chuva

Dá-me uma febre um papel uma esquina
Algo que rasgue ou se dobre ou estremeça
E que se esconda e mais tarde apareça
Sombra de vulto subindo a colina

Dá-me um arco que seja íris
Dá-me um sonho que seja doce
Dá-me um porto que tenha barcos
Dá-me um barco que nunca fosse

Dá-me um remo
Dá-me um prado
Dá-me um reino
Dá-me um verso

Dá-me um cesto
Dá-me um cento
Dá-me só
Um universo

6 de out. de 2008

Dinis Machado deixou-nos no dia 3. O Dennis McShade dos policiais, o autor do inesquecível "O que diz Molero" :

(...) veja todas estas estrelinhas, cada uma tem seu nome, aquela ali chama-se Miró, é a estrela de um homem que devasta pessoas com a tão manipulada inocência da paleta, aquela é a estrela Bigodes Piaçaba, também chamada de estrela de Pai de Todos, a outra, um pouco mais acima e à esquerda, chama-se Botão de Rosa, que é o nome de um trenó construído por um homem chamado Welles, aquela ali, de papel, chama-se Tom Sawyer, a outra ao lado, que lança uma luz branquíssima, é chamada de estrela dos Pombos, ou estrela de Pessoa, ou estrela de Pessanha, acendeu-a um tio chamado Gustavo, a outra também branca, embora de outro tom, é a estrela de César, também chamada Boné de Neve ou Torrão de Alicante, vê aquela ali que tem um brilho alegre?, é a estrela James Corbett, um homem que dançava boxe, a outra é a estrela de um médico de aldeia chamado João-Semana, a outra, de cristal, é a Joaninha dos Olhos Verdes, aquela é a estrela dos Três Cow-boys, também chamada de Cooper, de Fonda ou de Wayne, é uma estrela de lata, de pôr ao peito, patrulha a cerca da constelação a que pertence, atenta aos movimentos de Xântila, a outra é a estrela do Mar, encontrou-a uma criança numa praia, olhou para ela e iluminou-a, aquela é a estrela Ray Bradbury, tem um cintilar muito dela, íntimo de vastidões, não lhe parece?, olhe ali, aquela é a estrela Mãe, lança uma luz pálida, casta, familiar, tem uma forma estranha de mão em rosto, não tem por acaso outro cigarrinho? (...)









Na passada sexta-feira acendeu-se
mais uma estrela, tão próxima
da estrela do Rapaz
quanto as leis do Universo
o permitiram.