- Hercule! Bons olhos o vejam!
- Alien, mon ami, como tem passado?
- Nada mal, à custa de uma nova tisana que ando a experimentar. Tem-me feito muito bem às celulazinhas cinzentas.
- Ah, oui?
- Assim é, meu caro. E, caso os seus afazeres o permitam, convido-o agora mesmo a experimentar essa tisana em minha casa.
Encontrara o isco certo. Poirot, entusiasmado, anuíu de imediato, e lá fomos.
Quero poupar-vos à descrição do encontro, por isso passo directamente ao que nos interessa. Exposto ao detective o caso do prémio roubado, o homenzinho foi dando pequenos goles na tisana, meneando a cabeça em sinal de aprovação e alisando cuidadosamente o bigode. Era evidente que, no meio da nossa conversa recheada de banalidades, Poirot pensava.
- Mon ami, escusado será dizer-lhe que todos os que tiveram acesso ao seu blog, e muito em especial à sua caixa de comentários, são suspeitos.
- Todos, Poirot???
- Mais oui, todos! Sabe perfeitamente que o criminoso tanto pode ser a pessoa mais provável como a mais improvável.
- Tem razão...
- Repare também que todos tiveram motivo, já que o galardão é muito cobiçado. E todos tiveram oportunidade. No entanto...
Poirot fez uma pequena pausa e bebeu mais uns goles de tisana.
- ... No e
ntanto, se é certo que me guio pelo raciocínio, também não desprezo a intuição. Neste caso, a sua intuição, mon ami, quando afirma que crê ter o gatuno deixado a sua marca nos dizeres que gravou na pedra. Poirot esboçou aquele sorrisinho do costume, e continuou:
- Não se entusiasme muito, que não é apenas da sua intuição que se trata. Sabe certamente que a minha aguda capacidade de avaliação do perfil psicológico das pessoas me tem levado a resolver mistérios que, sem Hercule Poirot, ficariam para sempre por desvendar! Ora, já lhe ocorreu perguntar a si mesmo quem, de entre os suspeitos, seria capaz de deixar um texto gravado em pedra, em vez de um simples lugar vazio? Já pensou no motivo dessa prosápia? No carácter de quem assim agiu? A mensagem, meu caro Alien, é um acto audaz, provocatório, próprio de quem se imagina impune e faz questão de se gabar do feito; de quem não se contentou em privá-lo do seu merecido prémio, juntando ao roubo a humilhação e a gargalhada sinistra. É evidente a megalomania do criminoso. Não lhe parece?
- De facto, agora que o diz...
- Dizem-no (aqui Poirot bateu repetidas vezes com o indicador direito na cabeça) as minhas celulazinhas cinzentas. Elementar, meu caro Alien!
- Elementar...? Mas essa deixa não era de Sherlock...?
- Será, mon ami? Será? Olhe que até Holmes aprendeu muito com o grande Hercule Poirot!
Calei-me, convencido de que a sua proverbial vaidade lançara Poirot numa total confusão quanto à cronologia.
O detective deitou um olhar penetrante à inscrição. Observou-a em silêncio durante alguns minutos. De repente, bateu na testa e exclamou, triunfante:
- Voilá, mon ami! A sua tisana é realmente eficaz!
- Então quer dizer que... que...
- Sim, Alien! Poirot sabe quem foi! Outro sorrisinho, e continuou:
- Mas não vou acrescentar nada ao que já disse. Ao fim e ao cabo, a sua excelente tisana haverá de iluminar-lhe o raciocínio, n’est-ce pas? Um conselho, caro Alien: Sirva esta tisana aos seus amigos comentadores. Pode ser que lhes estimule as celulazinhas cinzentas, como tem acontecido consigo!
Notei no olhar do meu amigo um brilho suspeito. Poirot apanhara-me com a história da tisana milagrosa. A infusão que eu lhe servira fora rapidamente identificada pelo seu paladar de connoisseur como uma vulgar mezinha para males de estômago, intestinos e afins.
- Hercule, ao menos uma pequena indicação... qualquer coisa...
- Pois bem, caro Alien, se assim o quer... Lembra-se de uma tal Teresa Durães, também conhecida por narrador, ter escrito, em princípio de comentário: "No início era o verbo. Mas o narrador nunca soube conjugá-los bem..." ?
Precipitei-me para o computador.
- Mais non, mon ami, mais non! Não precisa de procurar o comentário! O que citei já lhe basta: "No início (Poirot acentuou estas palavras) era o verbo...". Em seguida levantou-se, compôs o fato, ajeitou a gravata, vestiu meticulosamente o sobretudo, sacudiu um imaginário grão de poeira da lapela, despediu-se e saíu, sem dizer mais do que um irónico “Au revoir, mon ami!”.
E agora? Que me dizeis, mes amis? Vamos descobrir o culpado de uma vez por todas? Pelo sim, pelo não, aqui vos sirvo uma deliciosa tisana... e, seguindo o método de Poirot, convido -vos a considerar com atenção a personalidade dos suspeitos e a observar cuidadosamente a inscrição!
CONTIUAÇÃO