o de uma tangerineira e de uma figueira de figos brancos. Certas noites havia culto na Igreja do Nazareno, mesmo em frente, e as orações e os hinos serviam-lhe de som de fundo.  Quando a igreja estava fechada, a noite era mais escura e viam-se melhor as estrelas, para as quais olhava invariavelmente, por hábito e prazer, lembrando as explicações do pai acerca de constelações, distâncias, nomes de astros, procurando e encontrando os que lhe eram mais familiares, descobrindo por vezes, com algum espanto, os mais difíceis de localizar.Na varanda do rés-do-chão do prédio que ficava mesmo à esquerda da sua casa, uma rapariga fazia-lhe silenciosamente companhia, durante horas a fio.

O que o movia, no entanto, era o transistor que ligava mal se sentava no muro, sintonizando-o na Estação B, que repetia as músicas do Hit Parade da semana, constituído por vinte canções que passavam na rádio ao domingo à noite, da vigésima até à primeira, para manter o suspense. Sabia os nomes e a ordem das canções no Hit Parade, de trás para a frente e vice-versa. Perguntavam-lhe às vezes que música tinha ficado em quinto lugar, ou em décimo primeiro, e acertava sempre na resposta.
O pensamento e a imaginação soltavam-se-lhe com frequência da música e corriam, voavam por entre estrelas, sons de pequenos animais, hinos e canções. Terá sido daí que lhe veio o fluir acelerado das ideias em noites de insónia, em que já não sabia se era o pensamento que o mantinha desperto, se a falta de sono que o obrigava a percorrer velozmente as rectas, curvas e contracurvas que lhe brotavam do cérebro. Perceberia mais tarde que cada um dos factores influenciava o outro. Tal conhecimento, porém, nunca viria a libertá-lo da insónia. Felizmente?