Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

30 de nov. de 2009

Gerúndio


Reivindicando farpas descontínuas
palavras que assassinam de repente
delírios que sucedem sem sentirmos
montanhas que se viram para a gente

onde as coisas que sim onde os palácios
os amanhãs que nunca mais emergem
onde os lilases da atlântida esquecida
os desejados que não são mas parecem

semelhanças eléctricas guardadas
nos violentos armários de nogueira
espaços alternativos para o nada
silêncio e folhas e sombras e poeira

onde os metros de verde onde a coragem
as tintas como laços como nós
onde os espelhos sem o outro lado
partidos requebrados como a voz

Afugentando espécies magoadas
nocturnos afogados nas barcaças
corrimãos secos curvos agarrados
vestígios de janelas onde passas

onde as canções com claves de cristal
os paraísos vulgares essenciais
onde a sirene a sereia a sensação
de ser crepuscular ou estar a mais

comboios sem família nem destino
em movimento verde-azul visível
rasgões no espaço-tempo onde termino
a busca elementar do impossível
  
onde o sépia nas caixas de memórias
os ossos triturados pela espera
onde os cavalos de várias cores que não
o fantástico segredo da quimera

Reinventando sonhos ao quadrado
Componentes de casas interditas
Gestos ocultos no mar do meu telhado
Mapas de estradas-ondas infinitas


13 de nov. de 2009

Para variar, e porque referi o autor, e porque talvez venha a propósito...

"Não é extraordinário pensar que dos três tempos em que dividimos o tempo - o passado, o presente e o futuro -, o mais difícil, o mais inapreensível, seja o presente? O presente é tão incompreensível como o ponto, pois, se o imaginarmos em extensão, não existe; temos que imaginar que o presente aparente viria a ser um pouco o passado e um pouco o futuro. Ou seja, sentimos a passagem do tempo. Quando me refiro à passagem do tempo, falo de uma coisa que todos nós sentimos. Se falo do presente, pelo contrário, estarei falando de uma entidade abstracta. O presente não é um dado imediato da consciência.
Sentimo-nos deslizar pelo tempo, isto é, podemos pensar que passamos do futuro para o passado, ou do passado para o futuro, mas não há um momento em que possamos dizer ao tempo: «Detém-te! És tão belo...!», como dizia Goethe. O presente não se detém. Não poderíamos imaginar um presente puro; seria nulo. O presente contém sempre uma partícula de passado e uma partícula de futuro, e parece que isso é necessário ao tempo."

Jorge Luís Borges, in 'Ensaio: O Tempo'


O Tempo


Que terá sonhado o Tempo até agora, que é, como todos os agoras, o ápice?

Sonhou a espada, cujo melhor lugar é o verso.
Sonhou e lavrou a sentença, que pode simular a sabedoria.
Sonhou a fé, sonhou as atrozes Cruzadas.
Sonhou os gregos que descobriram o diálogo e a dúvida.
Sonhou o aniquilamento de Cartago pelo fogo e pelo sal.
Sonhou a palavra, esse grosseiro e rígido símbolo.
Sonhou a sorte que tivemos ou que agora sonhamos ter tido...

Sonhou a primeira manhã de Ur.
Sonhou o misterioso amor da bússola.
Sonhou a proa do norueguês e a proa do português.
Sonhou a ética e as metáforas do mais estranho dos homens, aquele que morreu uma tarde numa cruz.
Sonhou o sabor da cicuta na língua de Sócrates.
Sonhou esses dois curiosos irmãos, o eco e o espelho.
Sonhou o livro, esse espelho que nos revela sempre outro rosto...

Sonhou o espaço.
Sonhou a música, que pode prescindir do espaço.
Sonhou a arte da palavra, ainda mais inexplicável do que a música, porque inclui a música.
Sonhou uma quarta dimensão e a forma singular que a habita.
Sonhou o número da areia.
Sonhou os números transfinitos, a que não se chega contando.
Sonhou o primeiro que no trono ouviu o nome de Thor.
Sonhou os opostos rostos de Jano, que não se verão nunca.
Sonhou a lua e os dois homens que caminharam sobre a lua.
Sonhou o poço e o pêndulo.
Sonhou Walt Whitman, que decidiu ser todos os homens, como a divindade de Espinoza...

Sonhou o jasmim, que não pode saber que o sonham.
Sonhou as gerações das formigas e as gerações dos reis.
Sonhou a vasta teia que tecem todas as aranhas do mundo.
Sonhou o arado e o martelo, o caranguejo e a rosa, as badaladas da insónia e o xadrez.
Sonhou a enumeração a que os tratadistas chamam caótica e que, de facto, é cósmica, porque todas as coisas estão unidas por vínculos secretos...

Sonhou que nas batalhas os tártaros cantavam.
Sonhou a mão de Hokusai, traçando uma linha que depressa será uma onda.
Sonhou Yorick, que vive para sempre numas palavras do ilusório Hamlet.
Sonhou os arquétipos.
Sonhou que ao longo dos verões, ou num céu anterior aos verões, há uma única rosa...

Sonhou os rostos dos teus mortos, que agora são esmaecidas fotografias.
Sonhou a primeira manhã de Uxmal.
Sonhou o acto da sombra.
Sonhou as cem portas de Tebas.
Sonhou os passos do labirinto.
Sonhou o número secreto de Roma, que era a sua verdadeira muralha...

Sonhou a vida dos espelhos.
Sonhou os signos que o escriba sentado traçara.
Sonhou uma esfera de marfim que encerra outras esferas.
Sonhou o caleidoscópio, grato aos ócios do doente e da criança.
Sonhou o deserto.
Sonhou a madrugada que espreita.
Sonhou o Ganges e o Tamisa, que são nomes de água.
Sonhou mapas que Ulisses não teria compreendido.
Sonhou Alexandre da Macedónia.
Sonhou o muro do Paraíso, que deteve Alexandre.
Sonhou o mar e a lágrima.
Sonhou o cristal.
Sonhou que Alguém o sonha...



(Jorge Luis Borges, in "Os Conjurados", 1985. )
* * *

Realmente magnífico, Jorge Luis Borges. Ainda por cima, actual e penetrante: Atente-se no 13º. (não acredito em bruxas, mas...) verso do poema...

16 de out. de 2009

"Amanhã é sábado e a noite hoje pode ser longa!"

Por isso, agradecendo à Uf! a gentileza, começo já com o frango na púcara, iguaria cheia de ingredientes e requintes, que muito aprecio. A receita vai "tal e qual".

As quantidades são para 1 frango; depois, acrescenta-se, a olho, para mais convivas.

Ingredientes:
1 fio de azeite (uma espiral aberta no fundo do tacho)
1 frango partido aos bocados (eu tiro-lhe a pele)
150g de bacon aos cubinhos (ou rectangulozinhos)

8 a 12 cebolas pequeninas ou 1/4 da dose de cebolas grandes, cortadas em quartos

4 dentes de alho esmagados

1l de vinho tinto

5 paus de canela

1 embalagem de tâmaras, sem caroço e picadas grosseiramente

1 embalagem de passas pretas

100g de cogumelos às lâminas

100g de caju ou amendoim

2 colheres de chá de sementes de coentros em pó

1 colher de sopa de erva-doce em pó

2 colheres de chá de canela em pó

1 colher de café de tomilho em pó

1 colher de chá de cominhos em pó

4 grãos de pimenta preta moída

2,5dl de vinho do porto

2 colheres de sopa de mel de alfarrobeira

1 cálice de medronho ou de aguardente de figo

1/2 ramo de salsa fresca picada

qb. de sal
1 cravinho
2 folhas de louro
1 malagueta, se toda a gente gostar. (Eu prefiro ter tabasco e quem quer acrescenta)

1dl de natas (facultativo)

Espero não me ter esquecido de nada. (Era o que faltava, digo eu em aparte :)



Desenha-se a espiral de azeite, no fundo do tacho, e colocam-se por cima os bocados de frango, as cebolas (deixar uma para o fim), os alhos, as lâminas de cogumelos, os cubinhos de bacon, os amendoins ou cajus, as passas, as tâmaras, as folhas de louro, em metades (eu costumo tirar o veio e as pontas), e a malagueta. Rega-se com o vinho tinto (deve ficar praticamente coberto de líquido).
Numa malga, misturam-se o vinho de porto, meio cálice de aguardente (medronho ou figo), uma pitada pouca de sal (depende de quanto sal têm já o caju e o bacon) e as especiariais em pó. Verte-se sobre o restante preparado. Deixa-se correr o mel em fio (uma espiral por cima do preparado). Espeta-se um pau de canela nos 4 pontos cardeais e um no centro. Polvilha-se com a salsa picada, espeta-se um cravinho na cebolinha ou quarto de cebola e coloca-se por cima, de forma a encontrar facilmente no fim, para retirar o cravinho (eu não gosto de o encontrar no meio da comida). Tapa-se e deixa-se cozer em lume brando (para aí uma hora ou mais). Quando a carne já estiver cozida, destapa-se e deixa-se cozer mais um pouco, para apurar. Retira-se o cravinho, rega-se com o resto da aguardente e flambeia-se, dando 2 ou 3 voltas suaves com a colher de pau. Para quem goste e não esteja a dieta, pode acrescentar-se umas colheres de natas batidas e envolver delicadamente, para engrossar um pouco o molho. Serve-se acompanhado de arroz branco, feito pela Lizzie.

Mas há mais, e da mesma fonte, mesmo apenas em imagem comentada:

"Vou ali preparar uns rolinhos de sushi com camarão e outros vegetarianos, para o caso de a Emma Larbos aparecer por cá. Amanhã é sábado e a noite hoje pode ser longa!"


E ainda uma original sobremesa LIP (ver foto...), que também agradeço à Uf!:


Faz-se uma «cercadura» com chantilly light do Lidl; em lume brando, descongela-se uma porção de frutos vermelhos Adèlie, do Intermarché, com um pouco de açúcar amarelo e um pouco de água (também à venda em qualquer um destes supermercados); coloca-se um petit gâteau pingo doce (secção de congelados) no mw por 30''. Retira-se o bolo, coloca-se no meio da «cercadura» de chantilly e cobre-se tudo com os frutos vermelhos.

É o que se arranja, para já, e confessem que não é nada mau! Obrigado, Uf! E que mais virá? :)

Para já, pão e sopa. Confesso que gosto de ambas as coisas... Assim, com os meus agradecimentos à Uf! (pão) e ao Legível (sopa), aqui ficam:


SOPA SEM NOME

Para 10 pessoas:

- 4 batatas médias
- 1 fatia de abóbora
- 1 nabo pequeno (sem ramagem)
- 1 repolho pequeno
- 1 alho francês (compridote)
- 1 colher de sopa de azeite virgem (aditamento fundamental)

Descascam-se, lavam-se e cortam-se aos quartos as batatas e o nabo, metade do alho francês e metade do repolho.
Tudo para a panela de pressão, com os ingredientes cobertos de água e sal a gosto.
Depois da panela ter feito o seu trabalho (apitos da ordem incluidos), passam-se os ingredientes pelo passevite até a textura dos mesmos atingir o ponto cremoso.
Com esse novo visual, os ingredientes voltam à panela, adicionando-se-lhe água suficiente para tornar o creme mais líquido, juntando ao mesmo, as metades do alho francês e do repolho, cortados em pedacinhos pequenos que irão "enfeitar" o "caldinho".
Deixar ferver e quinze minutos depois, a coisa está pronta.

Observação do "contribuinte": "Baptizei esta sopa de "Sem nome" mas diz quem já a provou que não precisa de ser chamada: come-se e está a andar de mota..."


28 de set. de 2009

A propósito de bifes... porque não recomeçar com um clássico?

Bife à Marrare




Ingredientes:

* 1 bife do pojadouro (150 grs);
* 2 colheres de sopa de manteiga;
* Sal grosso;
* Pimenta;
* 2 colheres (sopa) de nata.

Preparação:

1. Numa frigideira com o fundo pesado derreta sobre lume vivo metade da porção da manteiga.
2. Quando estiver bem quente introduza o bife e deixe alourar ligeiramente de um dos lados. Vire-o sem picar e aloure-o do outro lado (esta operação, que deve ser relativamente rápida, tem por fim evitar que o suco da carne saia). Tempere com sal grosso e pimenta moída na altura.
3. Retire a gordura da frigideira (conservando lá o bife) e junte a restante manteiga. Reduza o lume, deixe cozer o bife durante uns minutos e, agitando a frigideira, adicione as natas. Deixe engrossar o molho agitando sempre.
4. Coloque o bife num prato aquecido e regue com o molho. Sirva acompanhado com batatas fritas em palitos colocadas num prato coberto com um guardanapo.

Dica: Se quiser pode juntar ao bife um fio de limão na altura de servir.


Simples, eficiente, delicioso! Uma simpática variante do "Bife à Café". Bom apetite, e tragam vinho e sobremesa se vos aprouver!

E trouxeram! Quanto a bebidas, a MJF sugere um Mouchão Tinto de 1998, e quem se atreverá a discordar? :) Já a Arabica prefere uma cervejinha, concretamente uma imperial Superbock bem gelada, por causa do calor. E também marcha!

Em matéria de sobremesas, agradeço os figos da Justine e o Arroz Doce da Lola, com receita e tudo, que aqui se transcreve:

Arroz doce

6 Gemas
Canela
Casca de limão
1Lt Leite
água
1 caneca de arroz carolino
1 colher de manteiga
+-350gr açucar

Cozer uma caneca de arroz em 3 ou 4 de água. Quando o arroz estiver bem cozido junta-se o leite, a manteiga, as cascas de limão e deixa-se ferver, deitando-se depois o açúcar. Tira-se do lume, junta-se um pouco de leite às gemas e adiciona-se depois tudo ao arroz. Pôe-se numa travessa e enfeita-se com canela moida.


E terminamos a refeição com um
Mokachino, também receita da Lola:

Ingredientes:
Amêndoas
Xarope de chocolate
Café
Leite condensado

Preparação:
Deitar num recipiente 2 a 3 colheres de xarope de chocolate, 1 a 2 colheres de amêndoas , ou avelãs moídas, acrescentar 1 chávena de café expresso, já preparado, encher com leite evaporado ou leite condensado (para os mais gulosos) e polvilhar com canela e raspas de chocolate.

E que mais? :)

Bom, mais isto, que vem da Lizzie:

- happening de flamenco com lavagem de louça em simultâneo (a não perder!)
- whisky do Kentucky ou Grant's 12 ou 16 anos.
- conhaque
- luz barroca conspirativa
- Mesa Toledana de madeira e sofás orelhudos
- E o mais que consta do comentário :)


E ainda....

Uma sobremesa proposta pela Uf! :

Marmelos cortados aos bocados e cozidos em água, com umas colheritas de açúcar (é ao gosto d@s convivas), raspas de casca de limão, laranja e lima, canela, sementes de coentros, de salsa e de mostarda, grãos de pimenta branca e um cravinho da índia.

Também da Uf!, esta

Sugestão:
Fazer o pão na máquina, com farinha comprada no Lidl (eu uso a que tem sementes de girassol e acrescento sementes de linhaça, de papoula e de sésamo) e acrescentar-lhe azeitonas pretas e dentes de alho picados grosseiramente e orégãos, que são envolvidos na massa do pão antes de esta começar a levedar.
Acompanha bem com tinto Versátil (Casa de Santa Vitória), conserva de cenouras e queijos de pasta mole ou meia cura.

E porquê o pão?

- Porque a Lizzie protestou contra o facto de ninguém se lembrar de começar com PÃO E AZEITONAS. Aqui fica a rectificação dessa tremenda falha! E, já agora :), "
bolinhos de coco com limão e gengibre, adoçados só com uma sugestão de melaço de cana".

Quem pensava que a refeição estava completa, enganou-se!

A Arabica contribuiu com mais esta deliciosa sobremesa: Petits fours de coco.

Ingredientes
1 1/2 xícara(s) de chá de açúcar
250 gr de coco ralado(s)
2 colheres de sopa de farinha de trigo
1 gota de essência de baunilha
5 ovos

Preparação
Misture o açúcar com o coco e a farinha. Adicione a baunilha e junte os ovos mexidos. Depois de tudo bem envolvido, deixe repousar por 15 minutos.
Unte as formas com manteiga e farinha. Coloque a massa num saco de confeitar e disponha-a sobre as formas, fazendo pequenos bolinhos. Leve ao forno bem quente e deixe assar até ficarem bem douradinhos. Assim que estiverem mornos, retire-os da forma.

Observação
A receita encontrada diz ainda que se devem guardar em potes bem fechados :)) mas...espero que não sobre nenhum!! :)


14 de ago. de 2009

Endless game - versão (quase...) final

Tenho vindo a pôr ali ao lado várias fases de evolução de uma música da responsabilidade de uma banda em formação e início de carreira. Aqui fica a versão (quase) final, gravada em estúdio caseiro.

A banda: Parasomnia Noise. Os membros: Dywas, pSi e Mercedes.

Música: Dywas Letra: Mercedes Guitarra: Dywas Voz: Mercedes Baixo: pSi

Programação da bateria, produção e mistura: Dywas

A música:






A letra:


Endless Game

Swallowing what's on your mind
You're keeping monsters locked inside
Walking, breathing, to survive
A process that denies your lies

You watched me dancing on your hand
trust that seemed never to end
Now I'm dancing in your mind
Destroying every sun I find

We're playing games, you stop and say
I don't really want to play your little game

(2x)
You might be free now you're unchained
But there are games that never change

(4x)
My child, falling from the skies didn't wake you up

You are sitting on a chair
The scent of failing in the air
I hold you very close to me
Strangling your reality

All this presence makes no sense
Gave my mind to ignorance
Wonder if you kept my face
Closed in thoughts during this space

You watched me dancing on your hand
trust that seemed never to end
Now I'm dancing in your mind
Destroying every sun I find

(2x) Every sun..

Para quem quiser saber mais, o link para o site da banda no MySpace.

Espero que gostem! Mas, se não for o caso, digam! As críticas são sempre bem-vindas - e necessárias.

5 de jul. de 2009

O Bode Imarcescível - de Mário-Henrique Leiria

Em especial para a Lizzie (por causa do bode:) e para a Arabica (por causa do MHL:)

"É o que lhes digo.
Com esta idade e nunca o usei.
Há cerca de trinta anos apareceu-me uma oportunidade de o fazer, mas senti certas dúvidas e tive receio.
No entanto, ultimamente tenho-o lido com bastante frequência nos discursos que quotidianamente vejo nos jornais.
Já não sou criança e não quero deixar este mundo sem o usar pelo menos uma vez. É um vocábulo realmente impraticável, verão, mas mesmo assim vou usá-lo. Imarcescível. Aí está! Espantoso, não acham? Imarcescível. Alucinante! Por isso lhes conto


O BODE IMARCESCÍVEL

Julião amava os animais. Tinha um gato siamês teólogo e desdenhoso, dois perdigueiros de olhos tristes e um basset activo e escavador. Também uma gaiola com três periquitos protestantes e tivera um papagaio de que se vira obrigado a separar-se, dadas as constantes críticas e comentários do mesmo acerca da situação vigente.

Mas o que realmente o encantava era o bode. Trouxera-o para casa ao voltar de umas férias na montanha. O bode acompanhara-o sem fazer questão e isso comovera Julião. Era um bode jovem mas já com barba digna, que ficava a olhar para tudo com desdém, como prevendo inúmeras desgraças. Afeiçoaram-se um ao outro. Julião esmerava-se no tratamento e o bode, compreendendo que estava numa casa de respeito, passara a marrar apenas em polícias e cobradores. Mas comia, comia muito, comia tudo.

Antes de ir para a repartição Julião cuidava carinhosamente dos animais. Os cães no quintal, o gato livre de tomar decisões as mais ousadas, os periquitos com milho painço, pevides e cânhamo. Quanto ao bode, deixava-o em casa, com couves abundantes na cozinha, não sem antes o passear pelas traseiras e ter uma conversa séria com ele.

Um dia aconteceu o inesperado. Ao voltar a casa, à tarde, Julião encontrou o bode no escritório, sentado e a comer, voraz, a edição monumental de OS LUSÍADAS encadernada em couro azul-escuro e com ilustrações de Lima de Freitas. Só restava a capa, que era dura, e um pouco do canto nono. Ficou amargurado.

Que fazer? Como resolver aquilo? O bode podia voltar a ter apetências, lá se ia o Fernando Namora, o Eça, o Aquilino, sabe-se lá que mais! Não podia ser. E a solução surgiu-lhe. Levar o bode com ele para a repartição.

No dia seguinte, após as tarefas matinais, disse ao bode:

- Vamos lá, meu velho.

Saíram. O bode comportou-se, sempre ao lado de Julião, olhando as montras. Apenas tentou investir com um polícia mas conteve-se, entre a simpatia dos passantes.

Na repartição foi um alvoroço. «Olha um bode, olha um bode!» O espanto era geral mas o bode, indiferente, sentou-se ao lado de Julião.

E assim passaram os dias.

O bode ia de manhã para a repartição, almoçava na cantina com o Julião, passava a tarde sentado, observando a actividade múltipla da casa e indo lá dentro de vez em quando, e voltava à tarde ao lado de Julião, vendo as montras e mirando os polícias de través.

O diabo foi que um dia o bode teve um apetite feroz, como na altura de OS LUSÍADAS. Foi à secretária do chefe e comeu todos os processos em andamento que faziam a cabeça em água aos funcionários. Não deixou senão os agrafos e as molas das pastas de arquivo.

O chefe agarrou-se à cabeça e mandou chamar o Julião.
- Que é isto? - disse, de sobrolho franzido, quando Julião entrou.
- Isto o quê, senhor doutor?
- Isto - o chefe apontava para as sobras.

Julião observou bem e respondeu, humilde:
- Parecem restos de agrafos, não parecem, senhor doutor?
- Foi o seu bode, senhor Julião. O seu bode. Não pode ser, isto é impossível - e gesticulava, apopléctico.

Aí o Julião não achou bem.
- Desculpe, senhor doutor, mas não tenho nada com isso. Não intervenho, nunca intervim, na vida de bode nenhum nem de qualquer outra pessoa. O bode é livre, fale com ele.

E, pela primeira vez na sua vida de funcionário, virou as costas ao chefe e saíu, ofendido.

O chefe aveio-se com o bode. Parece que se entenderam.

O Julião não foi incomodado e o bode passou a andar de um lado para o outro, pelas salas e gabinetes.

O bode comia os processos, os processos ficavam arrumados. Os funcionários estavam encantados, escolhiam os melhores, os mais grossos e chamavam o bode.

Os tempos passaram.

Os chefes sucederam-se, os ministérios mudaram. O bode continuava na repartição, sempre jovem e activo.

Julião, já com o cabelo todo branco, reformara-se. O velho gato siamês fora juntar-se aos seus antepassados em Bubastis, os cães eram memória melancólica e a gaiola dos periquitos gritadores estava vazia. Apenas o bode continuava presente com amizade e ia todos os dias para a repartição. Estava no quadro.

Foi então que se deu o acontecimento decisivo.

Poderoso, imarcescível, o bode entrou pelo gabinete do ministro e comeu, logo ali, o decreto de mobilização geral que estava a despacho.

Foi eleito deputado pelo povo em delírio."


Nota do autor (do post:) - Dicionário da Língua Portuguesa - Porto-Editora

imarcescível

adjectivo uniforme

1. que não murcha; sempre viçoso
2.
que não se extingue
3. figurado imperecível; incorruptível

(Do lat. immarcescibìle-, «id.»)

2 de jun. de 2009

O Malandro - Mackie Messer

Conforme prometido, aqui fica uma versão de "O Malandro" (e não da "Homenagem ao Malandro", como por erro escrevi em post anterior), da "Ópera do Malandro", (espectáculo ao vivo) de Chico Buarque. A música é de Kurt Weil.


O mesmo que, com texto de Brecht, compôs a "Dreigroschenoper" ("Ópera de Três Vinténs"), da qual consta a celebérrima "Die Moritat von Mackie Messer", aqui interpretada por Ute Lemper.




Semelhanças? Só mesmo na música :)




28 de mai. de 2009

29-05-2009 - Idem idem, aspas aspas (ao cubo...)!




O tempo passa os planos multiplicam-se

Ou antes desaparecem nos segundos

Onde devia haver segundos planos

Como já se escreveu e desejou

Jogando às escondidas com os mundos

Vemos passar pelo passar dos anos

As sombras do que somos e sorrimos

Ao corpo viajante e pressentimos

Que as palavras apenas ficam se

Quem as disse com sede as procurou

Por oceanos nascentes e canais

Caminhos na montanha a despontar

Ou ao sol dos lugares mais banais

Onde se encontram as letras de amar





20 de mai. de 2009

Comparando...

Chico Buarque canta "Geni e o Zepelim", da peça teatral "Ópera do Malandro".

Lotte Lenya canta "Seeräuber Jenny" ("Jenny Pirata"), da "Ópera de Três Vinténs" (Dreigroschenoper"), de Bertolt Brecht e Kurt Weil - na qual a "Ópera do Malandro" foi nitidamente inspirada (e não o digo apenas por esta canção).

Prefiro outras versões alemãs, como a de Gisela May ou a de Hildegard Knepf, mas esta tem a vantagem de apresentar uma tradução para Inglês (não a adaptação de algumas versões, como a de Nina Simone, mas uma tradução mais conforme com a letra original).

A comparação é, no mínimo, interessante.

Em futuro post, talvez coloque frente a frente "Die Moritat von Mackie Messer", mais conhecida apenas por "Mackie Messer" (com várias versões em Inglês, incuindo a de Louis Armstrong), e a "Homenagem ao Malandro", de Chico Buarque, da peça que acima referi. Esta "homenagem" é a única canção da "Ópera..." não composta por Chico Buarque.













10 de mai. de 2009

Uma pequena homenagem a um grande homem... a um homem bom.




Retirado do Público de 4/05/09:

"Foi o primeiro a usar o termo "banda desenhada"
Vasco Granja morreu esta madrugada em Cascais
04.05.2009 - 16h04 Carlos Pessoa
Vasco Granja, divulgador de banda desenhada e do cinema de animação em Portugal, morreu esta madrugada em Cascais. Tinha 83 anos.

Autodidacta e com múltiplos interesses culturais ao longo da sua vida, Vasco Granja nasceu em Campo de Ourique (Lisboa) a 10 de Julho de 1925. Começou a trabalhar, ainda muito novo, nos antigos Grandes Armazéns do Chiado, e depois ao balcão da Tabacaria Travassos, na baixa lisboeta, que consideraria, anos mais tarde, a sua universidade. O seu interesse pelo cinema surge na adolescência e aos 16 anos chegaria a ser admitido como segundo assistente de fotografia no filme “A Noiva do Brasli”, de Santos Neves.

No início da década de 50 envolve-se no movimento cineclubista, tendo desempenhado funções directivas no Cine-Clube Imagem. Granja foi preso pela primeira vez pela polícia política do Estado Novo em Novembro de 1954, quando militava clandestinamente no PCP. Esteve preso sem julgamento seis meses e quando foi libertado voltou às suas actividades cineclubísticas e à divulgação cultural na imprensa. Datam de 1958 os seus primeiros artigos sobre o cinema de animação, nomeadamente na sequência da descoberta dos filmes experimentais do canadiano Norman McLaren.

No início da década de 60 arranja trabalho na Livraria Bertrand, onde se manteve até à reforma.
É preso de novo em 1963, julgado e condenado a 18 meses de prisão. Quando foi libertado, em 1965, Vasco Granja retoma a sua actividade cultural, com artigos nos “media” sobre cinema e literatura.
O seu nome é habitualmente associado à divulgação da banda desenhada em Portugal. O termo “banda desenhada” é, aliás, utilizado pela primeira vez por Granja num artigo publicado pelo “Diário Popular” em 19 de Novembro de 1966.

Integra a equipa fundadora da revista francesa de crítica e ensaio de banda desenhada “Phénix”, nos anos 60 e participa regularmente no Salone Internazionale dei Comics, em Lucca (Itália), o mais importante encontro do género nos anos 70.

Em Portugal, a sua actividade de divulgação da banda desenhada intensifica-se a partir do aparecimento da edição portuguesa da revista “Tintin”, em Junho de 1968, onde escrevia e traduzia artigo, além de ter a responsabilidade da secção de cartas aos leitores. Foi director da segunda série da revista “Spirou” (edição portuguesa) e coordenador da edição de banda desenhada da Bertrand. Animou o “Quadrinhos”, um dos primeiros fanzines surgidos em Portugal, em 1972. Esteve ligado à fundação da primeira livraria especializada de BD em Lisboa, O Mundo da Banda Desenhada, em 1978.

Em 1974 e 1975 integra o júri do Salão Internacional de BD de Angoulême. Depois de 25 de Abril de 1974, Vasco Granja mantém um programa regular sobre cinema de animação na RTP, que teve mais de 1000 emissões e divulgou sistematicamente as grandes escolas internacionais do género. Estava reformado desde 1990.
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1 de mai. de 2009

Do 25 de Abril ao Primeiro de Maio...






Um bom 1º. de Maio para todos!


17 de abr. de 2009

FRAGMENTOS: Cafés e afins por onde passei, convenientemente suspensos no tempo e no espaço para que possa visitá-los quando me apetecer.

Café, snack-bar e restaurante Mandarim & outros que vêm a propósito


- Ó pá, viste o Mário? – perguntava o Rogério.

- Qual Mário? - retorquia o Zé Manel.

- O das Cadeiras!

- Ah, esse! Saíu daqui há uma meia hora. Deve ter ido estudar.

- E que tal? Vamos lá desencaminhá-lo?


Geralmente, iam.



Passava-se esta cena no Café, Snack-Bar e Restaurante Mandarim, com alguma frequência e por razões diversas, a mais rara das quais não seria a procura de outro parceiro para a habitual sessão de póquer sintético. O Mário passara a ser “o das Cadeiras” porque, na época dos exames, declarava solenemente: “Vou fazer cinco cadeiras” (ou seis, ou as que fossem) - e fazia-as! Com o tempo, o Rogério tratou de lhe refinar a alcunha para “Marriô des Chaises”, em consonância com a influência político-filosófico-linguístico-cinematográfica dominante, e com mais algum tempo ficaria conhecido apenas por “Des Chaises”.


Estava então uma noite o Des Chaises não no Mandarim, mas no Et Coetera, uma espécie de boîte polivalente, quando viu o Dinis, encorajado por uns uísques precedidos de outras tantas cervejas, dirigir-se à Carlinha, calmamente sentada ao balcão, de copo na mão e completamente desprevenida, e declarar:


- Carlinha, da próxima vez que nos encontrarmos, vamos para a horizontal!


A Carlinha olhou-o nos óculos e sorriu. Não cinicamente, nem de forma sarcástica, nem com desprezo ou sequer ironia. Simplesmente, sorriu e, com aquele sorriso, apagou as intenções, as ideias, os sonhos e a enfática declaração do Dinis. Para todo o sempre.


Convém esclarecer que a Carlinha era uma sextanista de Medicina dotada de invulgar beleza e elegância, uma morenaça que, geralmente contra a sua vontade, despertava desejos e arrasava corações. O Dinis, gordito, óculos muito graduados, já tinha acabado a licenciatura, e nunca se lhe vira semelhante atrevimento, nem pouco mais ou menos. Mas a Carlinha, além da beleza, tinha uma qualidade que hoje raramente se encontra nas respostas àquelas perguntas que se fazem na televisão ou nas revistas, que qualidades prefere nos homens, ou nas mulheres, tanto faz, e lá vêm a inteligência (a Carlinha não teria muita, mas...), honestidade, lealdade, beleza, sinceridade, ambição e mais sei lá o quê, mas a bondade parece primar pela ausência. Dir-se-ia uma qualidade desvalorizada, esquecida, preterida. Seja pelo que for, quase nunca é mencionada. Ora a Carlinha era uma pessoa bondosa, e daí aquele sorriso eficaz dedicado às inusitadas pretensões do Dinis.


No Et Coetera, a música calava-se invariavelmente às quatro da manhã, logo depois de o disc-jockey passar o célebre “Vamos dormir” com que a RTP mandava a pequenada para a caminha por volta das nove da noite. Depois ficava-se por lá, a “acabar as bebidas”, e a conversa rendia até quando se quisesse. À saída, despedíamo-nos do porteiro, o Sr. Américo, homem de idade, afável e perfeitamente informado, ou não tivesse certa noite abordado muito discretamente o Zé Manel, que ia a saír:



- Olhe, Senhor Doutor, aquele seu amigo de barbas esqueceu cá ontem este livro, que por sinal é um livro “pribido”. Será que quer levá-lo para lho entregar, ou quer que eu o guarde bem guardado?


Chegávamos ao Et Coetera depois de uma passagem pelo Atenas e pela bica do jantar no já referido Mandarim, um café de dois andares onde se entrava descendo dois ou três degraus e se encontrava um enorme balcão de snack-bar, em L, e umas dez mesas onde raramente se jantava, já que pareciam estar destinadas a acolher os grupos que vinham tomar o café e, sendo caso disso, o digestivo. No snack almoçava-se mais do que se jantava. A ementa era quase sempre a mesma, os combinados da praxe, bife, prego no prato, bitoque, filetes de pescada, linguado “au meunier”, carne de porco à alentejana, jaquinzinhos em devido tempo, lulas à sevilhana, um cozido ou uma feijoada de vez em quando e, raramente, uma ou outra surpresa gastronómica. Vinhos razoáveis, preços médios e confecção satisfatória.


Subindo uma escada interior alcançava-se o primeiro andar, unicamente preenchido por mesas e respectivas cadeiras. Este nível do Mandarim tinha a interessante particularidade de servir clientelas e propósitos diferentes conforme a hora do dia ou da noite. De manhã, os comerciantes da Praça vinham ao pequeno-almoço, tal como os empregados dos estabelecimentos próximos, muito poucos estudantes e algumas senhoras da noite, tendo esta última freguesia, conjugada com a relativa abundância de mesas, valido, aliás injustamente, ao Mandarim o epíteto de Mesoputâmia. Logo a seguir, as mesas do pequeno almoço transformavam-se em mesas de estudo individual ou colectivo. À hora do almoço, pouca clientela, maioritariamente constituída por homens de negócios. Estudantes e um ou outro professor preferiam o snack do piso inferior. Logo a seguir, a malta da bica, variada q.b., mas com predominância de universitários, alguns dos quais iam ficando durante a tarde. Mais estudo. Ao lanche apareciam senhoras para o chá, e à noite, aí sim, havia mais afluência, diversa e variada, para o jantar e bica subsequente, até à meia-noite, hora de fecho impreterível.



O Anselmo, o proprietário, tinha uma política comercial interessante: Quando alguém partia acidentalmente o copo da imperial que estava a beber, imediatamente lhe era servida outra, por conta da casa. Hábito simpático e raro de encontrar, que acabou bruscamente numa noite em que o Jopan, um latagão caboverdiano de quem se dizia que tinha arrancado à mão algumas placas daquelas que indicam os nomes das ruas (seriam de latão, mas mesmo assim...) e que detinha o recorde de 56 canecas de cerveja emborcadas numa só noite, de seguida, não no Mandarim mas no Aeminium, célebre pelos pregos no prato bem temperados e com muito molho... o Jopan, dizia, já bastante entornado, trepou para cima de uma cadeira e começou a “deixar caír” imperial atrás de imperial, depois de as ter bebido quase até ao fim.. E lá se foi a estratégia de marketing do Anselmo e consequentes baldas. A vida é injusta!


A partir da meia-noite subia-se uma ruazita até ao Atenas, o café do Quadros, frequentado principalmente por alunos dos últimos anos da Universidade. O Quadros era um porreiraço, fazia facilmente amizade com a clientela regular, e tinha sempre em cima do balcão um tabuleiro de xadrez. Sem problemas, desafiava os melhores jogadores, e perdia sistematicamente com um garbo imparável:


- Ó Quadros, olhe que assim fica sem a torre!

- Mas para que é que eu quero a torre?

- Ó Quadros, vai perder a raínha!

- Mas para que é que eu quero a raínha?


Realmente...


Jogo em que nunca perdia era a moedinha, que ainda congregava bastantes parceiros. Se o Quadros ganhava, recolhia as moedas, e pronto. Se perdia, o vencedor da ronda, como era de regra, pagava uma rodada aos companheiros de jogatana – e o Quadros facturava...


No Atenas começavam frequentemente as conversas que iriam, depois das duas da manhã, desaguar no Et Coetera ou no 007, um pequeno restaurante descoberto na “baixinha”, que tinha a particularidade de servir bons petiscos até às quatro, além de um queijo da serra excelente e de uma garrafeira à altura.

O Fernando era quem mais falava, fosse de política, cinema ou filosofia. Passavam-se os “Cahiers du Cinéma” e os últimos filmes a pente fino, entre goladas de um Dão Caves Velhas Juta que estava em voga e com bom preço.


- O Bataille não diz nada disso, pá, não compreendes a essência do internacional-situacionismo... - Ó Carlos, traz aí mais uma garrafinha de Juta, por favor, que ainda sobrou queijo... – lê o Deborde, que só te faz bem!

- Espectacular, este “serra”! Onde é que o homem irá arranjar isto?

- Mas o Barthes, a Kristeva e o Todorov são essenciais para... Olha, Carlos, se não te importas, mais umas fatias deste pão, ok?... – uma abordagem séria da Linguística...

- E que tal se lessem Marx e Lenine, em vez desses teóricos da treta do não sei quantos situacionismo, hein?

- E porque não Gramsci? Porque não Althousser? “Pour lire Le Capital”, pá, está lá tudo! E ... – Falta aqui queijo, Carlos!

- Não me lixes! O que move o mundo não é a luta de classes coisa nenhuma, é a angústia do homem perante a morte! Basta ler o Morin, porra!

- Digam lá, alguém aqui conseguiu ver “O Último Ano em Marienbad” até ao fim?


E assim se evocavam ou invocavam os velhos e novos teóricos do marxismo de diferentes tendências, sobretudo as heterodoxas, e os de outras correntes ideológicas, sem falar nas literárias, artísticas, e por aí adiante. Naturalmente, a situação política do país não podia escapar, tanto mais que, para além da conversa, havia naquele grupo gente que também era de acção, gente que já tinha “estado dentro” e outra que viria a estar.


Predominantemente masculino, o grupo, que variava consoante as noites, incluía mulheres, facto pouco frequente nesse tempo e, em particular, a essas horas. Mas lá estavam, por exemplo, a Docas, que cozinhava um rim espectacular, e a Eugénia, que não cozinhava coisa nenhuma. A Carlinha é que não. Chegava até ao Mandarim, mas depois abandonava o grupo, porque se deitava relativamente cedo, exceptuando, é claro, as noites de Et Coetera.


Foi do Mandarim que partiu o Ernesto rumo à Dinamarca, no NSU de um amigo, que o pôs lá em cerca de 24 horas, para escapar à guerra colonial, isto uns meses antes do 25 de Abril... O Ernesto frequentava o quarto ano de Medicina e estes cafés e afins todos, e passava muitas vezes por dificuldades económicas, que ia resolvendo pelo velho método do cravanço de amigos com maior disponibilidade conjuntural. Munido de uma pequena agenda, anotava religiosamente as verbas que lhe emprestavam e os nomes dos benfeitores. Ainda ficou uns dois anos pela Dinamarca, apaixonado pelo país e possivelmente também por algumas das suas habitantes, e lá arranjou trabalho, o que lhe permitiu, ao regressar, procurar um por um os amigos a quem devia dinheiro e acertar as contas até ao último centavo.


O Des Chaises foi um dos muitos financiadores que ficaram atónitos com o inesperado reembolso. É justo que se diga que nunca contou a ninguém o episódio do Dinis e da Carlinha – mas alguém mais o terá testemunhado, porque a história correu de boca em boca. E, conforme um refrão da época, “Não vale a pena dizer nada, que amanhã sabe-se tudo!”




4 de abr. de 2009

Aproxima-se a Páscoa... é um pretexto como qualquer outro...

A fonte e a autoria desta receita, que me parece... enfim... de experimentar JÁ, vão indicadas no fim do post.


Anho da Festa de S. João (O S. João ainda vem longe, mas isto deve ser bem melhor do que o Cordeiro Pascal, por isso...)


Ingredientes

* 1 anho

* 400 gr de cebola
* 5 dl de vinho branco
* 1 colher de sopa de colorau
* 1 colher de chá de pimenta branca
* 4 dentes de alho esmagados
* sal grosso
* 4 folhas de louro
* 100 gr de salpicão
*100 gr de toucinho
*100 gr de chouriço de carne
* 2 kg de grelos
* 600 gr de arroz
* 3 kg de batatinhas novas pequenas
* 2 cenouras médias
* 200 gr de banha
* 3 dl de azeite




Confecção:

Depois de cortado o anho, tempere com o sal, pimenta, o vinho branco, os alhos, as folhas de louro e o colorau e deixe marinar de um dia para o outro.
Retire da marinada e barre com a banha de porco no tabuleiro de ir ao forno.
Coloque 2 cebolas e as cenouras cortadas em rodelas.
Leve ao forno durante uma hora a 200 graus e vá virando para que fique louro de todos os lados.
Regue com a marinada, junte as batatinhas e deixe cozinhar mais 30 minutos.
Leve ao lume, numa panela, 3 lt. de água com a restante cebola, o salpicão, o chouriço e o toucinho, a cabeça e o cachaço do anho, tempere de sal e pimenta e deixe cozer cerca de 1 hora.
Retire as carnes, corte os enchidos em rodelas e o toucinho em tiras, deite fora o cachaço e a cabeça.
Junte então o arroz ao caldo a ferver e coloque num alguidar de ir ao forno.
Enfeite com as rodelas e as tiras de toucinho e leve ao forno durante 30 minutos.
Sirva o anho acompanhada com os grelos cozidos e salteados em azeite e alho, as batatinhas e o arroz de forno no alguidar.


Fonte: Câmara Municipal do Porto - Turismo
Autor: Chef Hélio Loureiro


Bom apetite! E biba a Inbicta, carago!


Citação do dia: "E sobremesa? Não se arranja um semi-frio?" (Lizzie).
Hmmm... será que se arranja?


A resposta da Prof:



Está a chegar a época dos figos lampos.

Cortam-se os figos em oitavos (quartos na verical, divididos ao meio, na horizontal)- sem pele, se esta for muito grossa.
Numa taça, mistura-se iogurte magro, natural, com natas ( a dosagem fica ao critério de cada um(a).
Deita-se uma camada de figos; cobre-se com a mistura de iogurte e nata, polvilha-se com açúcar amarelo.
Repete-se a operação, as vezes necessárias até acabar os ingredientes; a quantidade destes, depende do número de convivas.
Vai ao frigorífico a arrefecer.


A resposta do Legível:



Arroz doce bem legível:

A) Ingredientes:

.Arroz que encha uma chávena almoçadeira das mais pequenas.
.1 litro de leite.
.200 gramas de açúcar.
.Casca de limão.
.4 ovos.
.Canela.

B) Execução:

.Depois do arroz ferver (de preferência em tacho de barro e sem esquecer a casaca do limão*) e bem aberto, juntar o leite (previamente fervido) e o açúcar.
.Em lume brando, ir mexendo (com colher de madeira de preferência) até ficar consistente.
.Juntar "em pingo" e ir mexendo bem, as quatro gemas dos ovos, batidas previamente, até o arroz ganhar a cor amarelada por inteiro.

.Sem deixar arrefecer, distribuir o arroz em pires e polvilhá-lo com a canela ao gosto artístico de cada um. Nesta quadra, costumo desenhar (com o bico do adaptador da canela**) cordeiros e amêndoas. Para os menos habilidosos sugiro os dizeres "Uma doce Páscoa na Companhia de Quem Mais Gostarem".

*A casca do limão e não a casaca, que nestes casos o limão está vestido o mais casual possível...

**Os virtuosos do futebol acham que é com o peito do pé. Quem sou eu para os contrariar...

OBRIGADO A AMBOS! E PARECE QUE AINDA VAI HAVER MAIS...




Pois vai. Faltava cá o vinho, e eis que a Arabica passou do café ao Reguengos Reserva
2002 tinto. Obrigado! Vem a calhar, que já estava com uma certa sede.

OOPS! A primeira pessoa a falar em vinhos foi a MJF, e esqueci-me completamente de aqui pôr a sugestão que deu, conforme prometi. Com as minhas desculpas, e o meu agradecimento, fica a sugestão do Alvarinho!