Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

29 de abr. de 2006

Gambozinos e Cª:


Estou como o Mário-Henrique Leiria: não me venham dizer que não há gambozinos. O O'Neill preferiu referir-se a macacos, mas os gambozinos remetem para o fantástico e o onírico, saltam do imaginário e do fabuloso, passam pela infância e, suprema ironia, conseguem transportar alguma inocência.

Ainda por cima, o nome cheira a petisco.

Há uns muito engraçados na Televisão. Disfarçam-se de comentadores e explicam-nos as coisas, que é como quem diz ensinam-nos a pensar. Ou pensam que ensinam.

Se por acaso metem o pé na argola, dizem logo que não disseram. Ou que disseram, mas. Matam-nos de tédio muito lentamente, e gostam. Já quase não adianta o zapping: eles estão em todo o lado, invadem tudo, alastram com política correcção pelo nosso quotidiano.

No dirigismo desportivo também se encontram exemplares notáveis. O que eles gambozineiam, meu Deus! O que eles se lambuzam, reviram, atropelam na voragem delirante do pequeno poder! Dizem as maiores barbaridades com o ar mais sério deste mundo, e esperam que acreditemos. E não é que, às vezes, acreditamos? Distraídos no meio da poluição dos dias, escapa-se-nos a capacidade crítica e vamos por ali abaixo sem nos darmos conta.

E na política? Passeiam por lá, misturam-se com os políticos sérios, que também os há, e esforçam-se por saltar para a ribalta. É aí que se tramam, porque às tantas se lhes percebe a gambozinice.

A evolução da tecnologia trouxe-nos uma nova classe: os gambozinos da blogosfera. Os que vêm dizer-nos que tipo de blogues devemos fazer, quais os que não são para ler, que posts devem ser evitados. Os que estão realmente convencidos de que os blogues deles é que são bons. Os que assaltam as caixas de comentários e lá deixam lixo e complexos de todo o tipo. E por aí adiante.

O problema é que este povo foi ensinado a acreditar que não existem gambozinos. Mas a treta das partidas pregadas aos ingénuos não passa, na verdade, de um disfarce. Acreditamos em bruxas, oráculos, leaders de opinião, nulidades da TV, da Rádio, dos jornais, chicos-espertos e estúpidos, sacripantas, fala-baratos, analistas económicos, satélites do futebol e até mesmo no professor Karamba. Mas em gambozinos, não. Nem os cheiramos. Não acreditamos neles, mas engolimos o que eles pregam, desde que sejam discretos e eficazes na camuflagem.

É por isso que os gambozinos são perigosos. Há que caçá-los. Vamos a isso?

27 de abr. de 2006

Teach Your Children




You who are on the road
Must have a code that you can live by
And so become yourself
Because the past is just a good-bye

Teach your children well
Their father's hell did slowly go by
And feed them on your dreams
The one they pick's the one you'll know by

Don't you ever ask them why
If they told you, you would cry
So just look at them and sigh
And know they love you

And you of tender years (Can you hear and do you care and
Can't know the fears Can you see we
That your elders grew by Must be free to
And so please help Teach the children
Them with your youth To believe and
They seek the truth Make a world that
Before they can die We can live in)

Teach your parents well
Their children's hell will slowly go by
And feed them on your dreams
The one they pick's the one you'll know by

Don't you ever ask them why
If they told you, you would cry
So just look at them and sigh
And know they love you

25 de abr. de 2006

O caminho de Abril

25 de Abril sempre!


Foi há trinta e dois anos. Tem sido um pouco todos os dias, que a vida é feita de avanços e recuos. Mais importante que a meta é o caminho. Continuaremos na estrada de Abril, e os que vierem depois de nós e depois dos que vierem depois de nós serão mais livres, mais justos, mais sábios, mais felizes.

Um dia, o 25 de Abril será uma data distante na História. Para muitos que o não viveram, já é. Esses são certamente mais felizes do que os que suportaram o salazarismo, a PIDE, a censura, as "medidas de segurança", os "tribunais plenários", a prisão, a tortura, a guerra colonial, o corporativismo, a Mocidade Portuguesa, a Legião, o ar irrespirável do dia a dia.

Não que hoje estejamos bem. Mas estamos melhor, muito melhor. Mais importante, temos agora nas mãos uma maior possibilidade de fazermos do futuro o que quisermos. Por pequena que seja, há que aproveitá-la. Não existe outro caminho senão o que percorrermos em busca da paz, da justiça social, da felicidade. Seja qual for a forma como viajamos, que ideias há muitas e práticas quase tantas.

Um bom 25 de Abril para todos.


ABRIL
Pela esperança naufragada
num oceano invisível,
pela palavra ancorada
na margem do que é possível,

pela angústia vacilante
que nos arde no desejo,
pelo silêncio cortante
que nos atraiçoa o beijo,

pelo sorrir-se da ideia
na carne de sonho e espanto,
pelo abrir-se da veia,
cansada de esperar tanto,

pelas gotas de outra vida
nos nossos corpos despertos,
pela areia corrompida
na foz dos nossos desertos,

no gesto enfeitado de plantas, de estrelas,
de gritos, de garras,
na força escondida nos templos ritmados
das nossas guitarras,
na pele ansiosa, no tacto irritado
da nossa memória,
na doce semente do amor combatente
fazemos a História.

24 de abr. de 2006

Jardinagem

O inefável Alberto João resolveu comemorar o 24 de Abril oferecendo uma ponte aos funcionários públicos, a quem aconselhou a aproveitarem o fim de semana prolongado para irem à praia em Porto Santo. Ao mesmo tempo que ensina aos madeirenses como devem aproveitar as mini-férias, J.J. proíbe as comemorações do 25 de Abril na região autónoma, justificando a sua decisão por não querer «partilhar sessões evocativas com cavernícolas políticos» sem «educação nem preparação cultural». O homem não tem espelhos em casa, é evidente.

A Assembleia Legislativa da Madeira não comemora solenemente este ano o 25 de Abril, por decisão da maioria social-democrata. O PSD "do continente" concorda, tendo sido o único partido a rejeitar dois votos de protesto contra a proibição, aprovados na Assembleia da República.

Comentários? Apenas um: são notícias adequadas ao 24 de Abril.