Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

9 de mar. de 2006

8 de Março: Dia Internacional da Mulher

PETIÇÃO INICIAL

Dá-me um cavalo uma alma uma nave
Algo que voe ou galope ou navegue
E seja azul ou de outra cor mas leve
No seu vagar qualquer coisa que lave

Dá-me uma curva um espelho uma pausa
Algo que brilhe e demore e seduza
E se transforme ao ar em luz difusa
Ou nada ou coisa que não tenha causa

Dá-me um comboio um apito um berlinde
Algo que parta ou que role ou decida
E ao passar perto da hora perdida
Nos traga a rima precisa de brinde

Dá-me um baloiço um esquadro uma vez
Algo que meça que oscile que seja
Uma surpresa o gesto que se beija
A última loucura que se fez

Dá-me um segredo uma cor uma uva
Algo que importe ou se cheire ou escorregue
(Mas não tropece nem ceda nem negue)
Por entre dedos ou gotas de chuva

Dá-me uma febre um papel uma esquina
Algo que rasgue ou se dobre ou estremeça
E que se esconda e mais tarde apareça
Sombra de vulto subindo a colina

Dá-me um arco que seja íris
Dá-me um sonho que seja doce
Dá-me um porto que tenha barcos
Dá-me um barco que nunca fosse

Dá-me um remo
Dá-me um prado
Dá-me um reino
Dá-me um verso

Dá-me um cesto
Dá-me um cento
Dá-me só
Um universo

Um comentário:

ana roque disse...

Cheio de garra!
Escrito de uma só vez...imagino.