Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

7 de nov. de 2006

Especialmente para a Wind,

Que perguntou para quando outro poema meu, aqui ficam estes versos, que escrevi há largos anos para uma amiga que estava a passar um mau bocado.

Um mau bocado estamos todos nós a passar nos tempos que correm. Por isso, a música do Zeca, uma balada muito antiga e muito actual, o "Coro dos Caídos", que fui descobrir na minha colecção de mp3...


Os versos são, obviamente, "datados". Apesar disso e do mais, apetece-me pô-los aqui hoje.

Para a Wind e para todos quantos queiram lê-los.








Arroz Doce, Amêndoa Amarga

Com as mãos que nos damos e os olhos perdidos no fumo
no vago da aurora nas ondas nas cores nos canais
construir calmamente criar num minuto num ano
numa vida de vida os caminhos abrir horizontes
com os olhos que damos e as mãos de fumo perdidas
Na pedra assinarmos um nome uma marca do corpo
e o silêncio que fica povoarmos de risos ou facas
ou tímidas aves ou cores ou canais de mãos dadas
nas sombras do espanto onde a líquida rosa desperta

com o corpo na pedra assinarmos o nome que marca
O dia que somos a data do amor a paisagem
dos frescos países onde as brisas se encontram a sós
onde os lábios se abrem ao ritmo do tempo das plantas
e nas veias as facas e os risos de novo se cruzam
na paisagem do dia que temos na data do amor
Descobrir que só somos se formos sem antes dizermos
como seremos ao sermos no devir das formas que
a cada instante se inventam à superfície do espelho
em que nos vemos ser vagos seres com plantas nos lábios
sem antes dizermos descoberto o descobrir que temos

Construir calmamente criar num minuto num ano
os caminhos do corpo as estradas de cada cabelo
com os dedos salgados tocando intranquilos as coisas
com os dedos nervosos formando o futuro da carne
e o que se diz alma à solta ao que há-de vir aos ventos
Incansável percurso de estrelas por dentro de estrelas
de rios por rios com estátuas de vidro nas margens
circulantes poeiras de luz vinhos de corpo espesso
e tudo bebermos com a ânsia dos outros de nós
e tudo em nós ser bálsamo ou sábio alimento

Criar a aventura o sabor dos mais antigos frutos
com as mãos que nos unem e os olhos de fumo que temos
pedra a pedra ir erguendo as cidades do amor impensável
no corpo a corpo em que o sangue silencia o eterno medo
rompe as muralhas e corre em direcção ao sol que dentro
De cada um teima em gritar e inesperado se acende
no canto vagabundo que recusa a solidão o nada
na invencível revolta na terna manhã das entranhas
no prazer da terra agora da terra vestida despida
no prazer da nudez absoluta serena de braços abertos


Viver sem fronteiras um hoje em que a luz nos beija o peito
ser o mar e a areia e os bosques e os barcos e os remos
sem guardar as palavras sem adiar a música dos gestos
viver como a líquida rosa que pouco a pouco se abre
e abrindo-se inteira se dá e em se dando desperta
Assim nos percorrermos nos cumprirmos assim sermos
com os olhos que damos perdidos nas mãos que esquecemos
corpo a nascer das águas vertical puro e molhado
e é preciso que hoje respire uma lágrima um beijo
braços abertos de amor que espera e dói - e tanto basta

44 comentários:

Belzebu disse...

Antes de mais, os meus parabens pelo excelente poema! A Wind vai com certeza ficar deslumbrada.

E como diz a musica do Zeca, "são palavras de amor e de bonança"!

Saudações infernais!

Bandida disse...

basta?!...






abraço!
____________________

Alien8 disse...

Belzebu,
Obrigado.
Palavras de amor e de bonança que nem sempre são utilizadas para bons fins...
Saudações alienígenas.

Alien8 disse...

Bandida,
No caso, bastava. Não só o que está no último verso, mas o que vai nos outros todos. Pouco não será...??

Abraço.

Teresa Durães disse...

olá boa noite

o meu comentário ia muito idêntico ao do belzebu mas depois da resposta que lhe deste, nem sei que diga...

talvez... mando um beijo de boa noite e folgo em saber que o gato está melhor

Teresa Durães disse...

oh Alien, a quadra foi num domingo à noite... domingo à noite e segundas de manhã (até às 5) eu não existo, sobrevivo...

Não recebeste o meu email?

e eu escrevo em todo o lado, até no cais no barco enquanto não chega!

(daí... o tempo)

o portátil anda às costas!!

eeheheh

chego a casa e... zás.. já está!

Alien8 disse...

Teresa,
Não recebi email nenhum... para que endereço mandaste?

A resposta ao Belzebu tem a ver com a canção do Zeca:

"Cantai, cantai, que o ódio já não cansa,
Com palavras de amor e de bonança".

De resto, agradeci e embatuquei:)

Mas, atendendo a que os versos já têm uns anitos, bastantes mesmo, que eu não sou mocinho da tua idade :P, atrevo-me a perguntar: gostaste mesmo? Achas que (ainda) se lêem?

Quanto ao tempo, pois, tu inventa-LO :)))

wind disse...

Be Alien, estou embasbacada.
1º fizeste o poema que te pedi.
2º dedicaste-o a mim (também)
3ºParece que "entraste dentro de mim".lololol
Está sublime o poema, o que transmite, a força que dá, o entender o outro, o levantar, enfim tudo:)
A música do Zeca, actualíssima!:)
Muito grata e bem hajas amigo
Muitos beijos***
PS: Só um àparte, não sou a favor da pena de morte, o que escrevi no meu post é que devia ser o saddam, o bush e o bin laden...:)
Mais uma vez graciasssssssssssssssssssss:)))))

Alien8 disse...

Wind,
Não o dediquei também a ti, mas sim, hoje, especialmente a ti :)))
Quando o escrevi, foi para uma amiga que, como disse, não estava nada bem.
Fico feliz por saber que gostaste, e que acertei em qualquer coisa :)
Poemas leio eu no teu blog, muitos e bons, e alguns teus :)
Um beijo.

isabel mendes ferreira disse...

"com os dedos salgados tocando intranquilos as coisas
com os dedos nervosos formando o futuro da carne
__________"_________bom dia A.


vim matar a saudade. e agradecer à Wind o pedido que te fez e que assim nos fascina...o teu poema...
_______________

bom dia.

abraço.
pode.se ter mais' sempre mais?

_______________deixo tb um beijo à Isabel (w)....

Teresa Durães disse...

Alien,

gostei bastante, claro que se lêem!
penso que o amor não mudou nadinha apesar dos anos de diferença entre nós! ninguém me escreveu um poema! vê lá... eheheh

(também, só conheço engenheiros,o que esperar dessa gente! uns ignorantes nas artes ahahahahah)

não tenho o teu endereço de email.

não recebes automática os comentários num?

beijo

MariaTuché disse...

Estou rendida pela beleza deste poema.

Não consigo dizer mais nada...

Bonita dedicatória para a Wind.

E obrigado pela música do nosso grande Zeca Afonso.

Beijos meu amigo

Elisheba disse...

Ola amigo alien, tenho andado 100 tempo para te visitar mas passei de raspao para te pedir para preencheres o questionario.Pass la ok??Bigadão!Bjos

PA disse...

-
Alien8,


________ Ando com saudades suas !
É só.

Um beijo

Lola disse...

Alien
Belo poema
Beijo
Lola

Alien8 disse...

Isabel,
E eu agradeço-te. A ti.
Pode-se, sim. Pudera eu :)
Boa noite,
Um beijo.

Alien8 disse...

Teresa,
Fico feliz por teres gostado, claro que fico... :)
Então nunca te escreveram um poema? Isso não me parece certo.
Quem sabe um destes dias alguém escreverá um, mesmo que seja um engenheiro...

Quanto ao email, não, não tenho essa opção activada, ainda não precisei. Embora seja eu quem precisa do teu email para enviar a música, se a quiseres, tenho todo o gosto em deixar-te, no comentário abaixo, um endereço que podes utilizar.

Boa noite.
Um beijo.

Alien8 disse...

Tuché,

Só tenho que te agradecer.
Com um grande beijo.

Alien8 disse...

Visionária,

100 tempo, hummmm....?
Pois eu também não ando muito disponível. Mesmo assim, vou lá ver o questionário, tu mereces :)
Beijos.

Alien8 disse...

DianaF.,
Mi casa es su casa :)
Que é como quem diz, gostava de a ver mais por aqui, para ambos matarmos as saudades. Entretanto, tenho-a visto / lido pelos lados do Contra Capa.

Mas foi bonito, aparecer assim e dizer isso. Obrigado :)

Um beijo.

Alien8 disse...

Lola,
Obrigado :)
Beijoca.

Teresa Durães disse...

Alien8: era mau sinal escreverem-me um poema de amor!!! penso que o marido não ia apreciar!! e ele nem para cartas normais tem jeito. tem para outro tipo de coisas.

olha, o melhor é esquecer a música. não posso publicar o email porque já tive coisas muito desagradáveis a aparecerem por lá e alterei-o pela... terceira vez? quarta? já nem sei!

de qualquer maneira, obrigada pela oferta.

boa noite

Alien8 disse...

Teresa,
Os poemas não são necessariamente de amor!
Quanto ao email, eu enganei-me e coloquei aqui o meu, depois apaguei. É óbvio que não o viste. Devia tê-lo feito no teu blog, visto que recebes as mensagens por email. Vou fazer isso e, se quiseres mandar alguma coisa para o meu, na volta tens a música. Se não quiseres, ponto final. Peço-te que filtres o comentário em que indico o meu email, claro: coisas desagradáveis todos podemos ter.

Alien8 disse...

Teresa,
Queria dizer "apagues", não "filtres" :)

Teresa Durães disse...

Caturra pegou na peneira e filtrou o comentário. Pegou nas casquinhas que sobraram e deitou fora. Nem precisou de vir ler antes a tua resposta! Ela sabe o que a casa gasta (não a tua, claro).

(não tinha percebido que te referias a um poema qualquer, mas também não me escreveram!!)

Mas eu tenho essa opção ligada. Já sabes agora!

Boa noite e obrigada

Alien8 disse...

Teresa,
Foi com todo o gosto. Aprecia a música :)

MariaTuché disse...

Será que posso mandar umas receitinhas de entradinhas estilo TAPAS??

Beijos bom dia

Anônimo disse...

Essa wind tem uma sorte:)
beijos

Mocho Falante disse...

Bem Wind bela prenda sim senhor...

Este rapaz para além de bom gourmet é um perfeito escritor...PARABENS

Alien8 disse...

Pinto Ribeiro,
Claro que merece!
Boa noite, K.
Abraço.

Alien8 disse...

Tuché,
Mas evidentemente :))
Só tenho que agradecer!
Beijocas.

Alien8 disse...

Isabel,
Ausente mas presente :)
Ainda bem.
Um abraço.

Alien8 disse...

Gitas,
Achas mesmo? :))
Um beijo.

Alien8 disse...

Mocho Falante,
Só posso dizer obrigado!
E deixar-te um abraço.

Cristina disse...

olá alien

gostei do poema, mas dificil, era para ler com arroz doce? se calhar é por isso...;)

beijinhos, cheers, com a amendoa amarga.

Alien8 disse...

Cristina,
Era para ler pelo pratinho de arroz doce, mais concretamente...
Cheers :)
Beijocas.

Anônimo disse...

Alien8,

se ja gostava de ti.....e se ja te admirava.....agora então.....

um beijo enorme caro amigo (ainda de boca aberta de tão fantástico este teu poema está!) e ao Luis também.....e aos de casa!Espero que o teu gatinho tambem esteja melhor!

Bom fim de semana lindo.....e.....devias de continuar!
;)

Alien8 disse...

Pianola,
Prefiro as leis humanas, assim como assim.

Alien8 disse...

The City Lights,
Nem sei que diga. Talvez obrigado :)
O gatinho está melhor, mas ainda não recuperou totalmente, vamos ver como a coisa corre.

O Luis retribui o beijo, os de casa também :)

Eu continuo... tenho continuado...

Bom fim de semana e
Um beijo para ti.

Alien8 disse...

Olá, Josefa :)

Anônimo disse...

vertical
puro
beijo



sem lágrimas.


(isa)


(tudo bem?)

Alien8 disse...

Isabel,
Também pode ser :)
Tudo menos mal. Já esteve pior.
Um beijo pela atenção.
Outro porque sim.

Alien David Sousa disse...

ADORO ARROZ DOCE! Tu és demais mano!!! Até me estás a tentar converter a mim!!!!!

Alien8 disse...

Alien DS,
Hehehehe :)))