Aliencake
Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.
28 comentários:
Um tempo que não queremos se repita. Em lugar nenhum do mundo.
Abraço.
Para já, é evidente que tens mais de 45 anos:)
E por várias razões que ultrapassam o 1972.
Depois acho comovente, terno, provavelmente nostálgico.
Tem o sabor terno de quem se afasta, ou tem que afastar, e pensa em tudo o que deveria ter dito e não disse. Há sempre uma palavra pincelada de sentimento que fica suspensa como uma memória grata.
A vida, às vezes, parece uma colecção de suspenções.
Mesmo que o Daniel seja uma metáfora de Daniéis.
Não sei se o Daniel é político, social ou pessoal.
Seja lá o que fôr teve, para ti, sonhos, pés, segredos e mais tudo o que lhe viste e sentiste.
E essa é a marca importante. A que te marcou dentro. São as marcas que nos constroem enquanto nós construímos as marcas.
Grande abraço
Maria,
De maneira nenhuma! Não pode repetir-se.
Um beijo.
Não sei que contas andaste a fazer, mas quem me vê não me dá mais de 35 :-P
O Daniel era (é?) uma pessoa que conheci e com quem falei muitas vezes. Naturalmente, pode representar outros "daniéis", e é pessoal, político e social, sem dúvida, mas acima de tudo pessoal.
Uma vez disse-me: "O menino é boa gente, porque aperta a mão ao Daniel".
Preciso de dizer mais?
Abraço grande.
E assim falas de liberdade e de sabedoria e de tristeza. Com humanidade.
Comovente, amigo!
Beijo
Uma maravilha!
Beijos
Justine,
Esta recordação sempre me comoveu...
Beijo.
Wind,
Obrigado.
Beijinhos.
Alien:
35 não te daria! Vou mais para os 36.
Enquanto não fôr de férias toda a gente me dá 81. Quando chegar o dia, qualquer mais de 18 será insulto ou cegueira.:)
Como eu te percebo...embora sem África,não sei se Lála ainda é ou já deixou de ser.
A chantagem pode deixar rasto de ternura:
- Lála, se não me fizeres sopa de feijão verde ponho o Sporting a ganhar no teu totobola!
- Se a menina não comer o almoço todo não vai comigo dar a comida aos patos!
E assim guardamos estas gotas preciosas de resumos:))
Abraço
Pois, Lizzie, 36 é um pouco demais, mas enfim...
Pelo resto, já vi que me percebeste bem, do alto dos teus 81 :)
Temos que guardar, não é? Colam-se-nos à pele.
Abraço.
Do que gostei mais foi do Daniel, um bacano. também bebia um copo de vinho tinto e venham de lá esses ossos. Abraço.
Li este poema e num aperto recordei, nomes que deixei em Luanda, Amigas, colegas, vizinhas com quem mantinha relacionamentos cordiais.
Uma dor, esta ausência de mim, de gentes que me ajudaram, afinal, a crescer.
Ousei levar um poema daqui para o CPV. Algum inconveniente, será de imediato apagado.
Um abraço :-)))
Somos assim: arcas de noé gigantes, onde nos permitimos guardar corações inquietos e memórias ébrias.
Só muito mais tarde percebemos os copos que não bebemos.
Mas depois, sorrimos: afinal demos as mãos e talvez nesse gesto tudo se tivesse cumprido.
Beijos de café cheio de contente :)
Rui,
Um bacano, de facto. Bebamos então.
Um abraço.
Clube dos Poetas Vivos,
ou MM,
Vejo que me percebeste.
Inconveniente nenhum, antes pelo contrário, agradeço as palavras escritas acerca deste blog, e a transcrição!
Outro abraço.
Arabica,
Se não tudo, pelo menos algo se cumpriu, e já não foi mau. Mas fica sempre aquela coisa, percebes? Aquele quase.
Beijinhos.
O que conta mesmo é que passados todos estes anos a memória de uma amizade não se apagou.
Abraço.
Abraço, Legível!
Gente doce em tempo amargo. Mesmo que bebas um copo com Daniel, nem ele será o mesmo, nem tu igual ao que foste. A História vai-se fazendo e nada volta a ser como dantes. Fica a lembrança de um amigo improvável, num lugar improvável. Prováveis e imutáveis, todavia, os abraços que se deram, fossem eles de braços, de olhares, de palavras, de silêncios lado a lado.
Bonito é saberes dizer tudo isto ASSIM.
Licínia,
Infelizmente tens razão, as pessoas mudam. Mas consegue-se beber hoje um copo como se fosse há muitos anos, e tu bem sabes como. E a memória é misteriosa e implacável.
Obrigado!
Eu irei contar-te sempre tudo!
Beijinhos alienígenas
Beijinhos alienígenas, Mana DS! :))
Ó Alien então ficaste com o Daniel a beber um copo de vinho tinto?:)
Beijos
Alien, andei durante este tempo a pensar no quase. Sei. Sei.
Fica para sempre.
Abraço.
Wind,
Isso já não pertence à história.. :-)
Beijinho.
Assim é, Arábica. Assim é.
Um abraço.
poema belo e nostálgico, de uma memória, de uma amizade, de uma ausência que ainda questiona, que ainda é presença no tempo da vida e no tempo do poema. gostei muito.
abraço.
Maria Manuel,
Obrigado, um abraço para ti - e peço desculpa pela resposta tardia, tenho vindo aqui pouco e só agora vi o teu comentário.
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