Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

9 de fev. de 2007

Porto Sentido

Uma pequena homenagem aos nossos amigos da Inbicta.
Com um bom Porto, ao pôr-do-sol, no Museu Romântico.



Os Rolling Stones são um pouco como o vinho do Porto. Por isso, a acompanhar, uma balada - As Tears Go By.



Bom fim de semana para todos!


Com a devida vénia e o meu muito obrigado, actualizo o post inserindo este belíssimo texto:



"Rendo-me. Morro de amor pelo Porto. Assim que desembarco naquele cinza azulado com cabelos de nevoeiro suspensos e engulo o cheiro do Douro, sinto-me quase pura.


O Porto tem mistérios que a emoção apanha e doura e transforma e eterniza. Clássico e íntimo, distante e sereno, arrogante e terno, soberbo e entristecido, atira-me um frio matinal e uma Foz opulenta. O Porto veste-se diferente. Ousado e vanguardista, formal e de linhas discretas, desce Santa Catarina como se fosse para o jazz e enquanto o café arrefece e o cigarro descai, olha displicentemente atento para a miúda integral e leite desnatado.


O Majestic vai envelhecendo ao ritmo do cansaço, as paredes descascam-se sem pudor e sempre ao velho poeta sucede-se um velho pintor, e lá fora a rua apetece. Com paixão desvairada mordo os bombons da Cunha, doces e intensos, especiais para recordar, para amar com a sôfrega paixão de quem deixa atrás uma cama aberta e um barco fundeado no Castelo do Queijo.


Estar no Porto é marcar encontro com Chagall e insistir no mistério do azul profundo com um sorriso sépia. É desejar uma asa e ter um sussurro apaixonado. É mergulhar numa arquitectura europeia e tropeçar em Mozart e derrapar num silêncio mordaz de Agustina, e perder o pé numa tela de Resende e ganhar a voz com Eugénio. O Porto de sombras. O Porto de sol. O Porto a trabalhar ao ritmo dos comboios. As castanhas no banco da Avenida, os livros, os barcos, a Ribeira, os putos, o vento e a inesquecível música de um violino despenhado.


Quem chega ao Porto chega sempre a um lugar diferente. Será do nevoeiro, será da claridade das casas austeras, dos jardins adocicados, da iluminação, das ruas apertadas, será da sombra do rio ao fundo dos hotéis cheios de gente, sei lá, deve ser de tanta beleza indizível, irretratável, mas também pode ser da memória do teu corpo que me persegue como uma onda e me galopa. E depois até a chuva é diferente. Escorrega sobre as pedras, desliza sobre o parque, enche de cheiro inglês o bairro da Boavista, amortece suavemente o Passeio Alegre, embala-nos o orgulho de uma cidade masculina.


O Porto vibra debaixo dos plátanos e das tílias, descansa sobre as estátuas, sonha na Arca de Água e consome nos centros comerciais e na tradicional 31 de Janeiro a vaidade urbana. São atmosferas densas de cor e forma, de desejos tórridos de contenção elitista, de segredos demorados e chistosos. O Porto é um tesouro que se fixa e que apetece sempre mais. Outra noite no Aniki-Bobó, outra conversa húmida no Luís Armastrondo, a mesmíssima música do rio no corredor da Ribeira.


O Porto com paixão. No Porto me perdi a meio de uma tarde iluminada pela geometria dos teus dentes. Sedento de moliceiros, perdido de saudade medieval, envolto de mistérios barrocos, no Porto me vejo fértil e bem português, rico e altivo, mulher de palavra quente e chã, corpo musculoso, visões antigas de uma verticalidade acintosa. Rude e compacto, áspero, mulher acesa, homem voluntarioso. Todos os ângulos são possíveis para te amar, todas as paisagens no trânsito caótico, na margem de Gaia, no sobressalto das águas picadas pelo vento do Moledo, no sossego dos jardins de S. Lázaro, no mercado, no táxi na Marginal, nos lençóis do Meridien. Ou seja, no Porto todo o amor é de paixão secreta e voluptuosa, às vezes rubra outras azul-escuro, mas sempre paixão de luz contra o nevoeiro. Porque o Porto não se esquece aqui fica em posfácio o recado possível. Angustia-me. Arruivece-me. Inaugura-me outra ponte. Devolve-me o teu momento de paixão."


Mendes Ferreira

45 comentários:

wind disse...

Amigo Alien agora cada vez que aqui venho fico encantada.
Fotos lindas e a música:)
Um Porto como esse na foto ia já e esta música dos R.S., é uma das que mais gosto deles:)
Infelizmente à cidade do Porto só fui 3 vezes e não deu para conhecer bem.
Muito obrigada pelo post de hoje que deu para relaxar:)))
Beijos

Cristina disse...

cheers!!

:)))

Lola disse...

E o Porto aqui tão perto...
Museu Romantico : Um Porto branco seco por favor...
Beijos
Lola

Parrot disse...

Alien8,

Depois de uns tempos, em que outros valores se levantaram, cá chego eu e deparo com isto. :)
Eu sinto e agradeço.
Quanto ao brinde, comparto e tem uma sabor único quando é com os amigos. :)
Saúde, e bom fim-de-semana

Bernardo Kolbl disse...

Idem para ti. Curiosamente, estou no Porto. Abraço.

maloud disse...

Não é bem um café, mas quando lá vou faço uma viagem no tempo. Devia ter ido lá reflectir mais um bocadinho. Não é reflexão que eles querem?
Bisous

Anônimo disse...

_____________________
"Rendo-me. Morro de amor pelo Porto. Assim que desembarco naquele cinza azulado com cabelos de nevoeiro suspensos e engulo o cheiro do Douro, sinto-me quase pura.




O Porto tem mistérios que a emoção apanha e doura e transforma e eterniza. Clássico e íntimo, distante e sereno, arrogante e terno, soberbo e entristecido, atira-me um frio matinal e uma Foz opulenta. O Porto veste-se diferente. Ousado e vanguardista, formal e de linhas discretas, desce Santa Catarina como se fosse para o jazz e enquanto o café arrefece e o cigarro descai, olha displicentemente atento para a miúda integral e leite desnatado.



O Majestic vai envelhecendo ao ritmo do cansaço, as paredes descascam-se sem pudor e sempre ao velho poeta sucede-se um velho pintor, e lá fora a rua apetece. Com paixão desvairada mordo os bombons da Cunha, doces e intensos, especiais para recordar, para amar com a sôfrega paixão de quem deixa atrás uma cama aberta e um barco fundeado no Castelo do Queijo.



Estar no Porto é marcar encontro com Chagall e insistir no mistério do azul profundo com um sorriso sépia. É desejar uma asa e ter um sussurro apaixonado. É mergulhar numa arquitectura europeia e tropeçar em Mozart e derrapar num silêncio mordaz de Agustina, e perder o pé numa tela de Resende e ganhar a voz com Eugénio. O Porto de sombras. O Porto de sol. O Porto a trabalhar ao ritmo dos comboios. As castanhas no banco da Avenida, os livros, os barcos, a Ribeira, os putos, o vento e a inesquecível música de um violino despenhado.



Quem chega ao Porto chega sempre a um lugar diferente. Será do nevoeiro, será da claridade das casas austeras, dos jardins adocicados, da iluminação, das ruas apertadas, será da sombra do rio ao fundo dos hotéis cheios de gente, sei lá, deve ser de tanta beleza indizível, irretratável, mas também pode ser da memória do teu corpo que me persegue como uma onda e me galopa. E depois até a chuva é diferente. Escorrega sobre as pedras, desliza sobre o parque, enche de cheiro inglês o bairro da Boavista, amortece suavemente o Passeio Alegre, embala-nos o orgulho de uma cidade masculina.



O Porto vibra debaixo dos plátanos e das tílias, descansa sobre as estátuas, sonha na Arca de Água e consome nos centros comerciais e na tradicional 31 de Janeiro a vaidade urbana. São atmosferas densas de cor e forma, de desejos tórridos de contenção elitista, de segredos demorados e chistosos. O Porto é um tesouro que se fixa e que apetece sempre mais. Outra noite no Aniki-Bobó, outra conversa húmida no Luís Armastrondo, a mesmíssima música do rio no corredor da Ribeira.



O Porto com paixão. No Porto me perdi a meio de uma tarde iluminada pela geometria dos teus dentes. Sedento de moliceiros, perdido de saudade medieval, envolto de mistérios barrocos, no Porto me vejo fértil e bem português, rico e altivo, mulher de palavra quente e chã, corpo musculoso, visões antigas de uma verticalidade acintosa. Rude e compacto, áspero, mulher acesa, homem voluntarioso. Todos os ângulos são possíveis para te amar, todas as paisagens no trânsito caótico, na margem de Gaia, no sobressalto das águas picadas pelo vento do Moledo, no sossego dos jardins de S. Lázaro, no mercado, no táxi na Marginal, nos lençóis do Meridien. Ou seja, no Porto todo o amor é de paixão secreta e voluptuosa, às vezes rubra outras azul-escuro, mas sempre paixão de luz contra o nevoeiro. Porque o Porto não se esquece aqui fica em posfácio o recado possível. Angustia-me. Arruivece-me. Inaugura-me outra ponte. Devolve-me o teu momento de paixão."


Mendes Ferreira

____________JUNTO A minha à tua voz-----(desculpa ser tão longo, foi publicado na Cidade Surpreendente...há já mt tempo.)


beijos.


Ysa.

isabel mendes ferreira disse...

Prometo não reincidir!!!!!!!!!!


beijo romântico.

Alien8 disse...

Wind,

Obrigado!

Isto deve-se, certamente, ao facto de estar para ir ao Porto há muito tempo e não ter oportunidade de concretizar a viagem. Um dia destes, um destes dias... ah, mas hei-de ir!

Beijos.

Alien8 disse...

Cristina,
Cheers! :)

Alien8 disse...

Lola,

Tão perto e tão longe...

Beijinhos.

Alien8 disse...

Parrot,

Ao Porto e à nossa!!!

Um abraço.

Alien8 disse...

OPintas/Bernardo,

Olha só a coincidência :)

Um abraço!

Alien8 disse...

Maloud,

Reflexão e bom Porto. Exacto. O segundo ajuda à primeira. E o Museu Romântico também.

Até um destes dias...

Bisous.

Alien8 disse...

Isabel,

Que maravilha de texto! Reincide sempre que quiseres!

Para ler e reler e reler, com pleno gozo e a memória do Porto num cálice do generoso.

Um abraço.

wind disse...

Belíssima a prosa da minha homónima:)
Do Porto , das poucas vezes que lá fui, retenho bem o café Majestic que é uma coisa lindaaaaaaaaaaaaaaa e a Ribeira.
beijos

PintoRibeiro disse...

Passando o post, abraço e bom domingo Alien. A todos.

Alien8 disse...

Wind,

De acordo quanto ao Majestic! E à Ribeira, obviamente.

Beijos.

Alien8 disse...

PR,

Boa semana!
Abraço.

Alien8 disse...

Estimada Senhora Musashi,

Realmente aquela prosa poética é uma preciosa relíquia, tal como a belíssima cidade que a inspirou.

Por isso, tchin-tchin, com a Vate e a Senhora Dona Nnannarella, a quem por Vós mando o meu beijo.

E outro.

Teresa Durães disse...

hoje não li o acrescento ao post. estou cansada, acabei o Illusio. Vai para concurso amanhã. venho só desejar boa noite.

beijo

Alien8 disse...

Parabéns!!!

Concurso? Que concurso? Bom, seja qual for, boa sorte! E boa semana!


Um beijo.

Bandida disse...

porque gosto do Porto e sempre o senti assim sem nunca conseguir descrever o seu sentido.
um Porto sentido e muito, muito bem sentido pelas mãos da Isabel.




beijo


B.
___________________________

Anônimo disse...

obrigada...:))))
__________________




ficou mais leve acompanhado por Ti.



beijo.



Y.

Alien8 disse...

Bandida,

Eu também.
Um beijo.

Alien8 disse...

Y.,

Outro beijo.

Mocho Falante disse...

tchim tchim...é sempre bom comemorar com um bom Porto


abraços

Teresa Durães disse...

Já li o texto da Isabel. Lindo, claro, como ela sempre escreve, e retirou do Porto pelo menos aquilo que eu penso dele.

Infelizmente vou poucas vezes lá, só de passagem em curto espaço.

Boa noite

Alien8 disse...

Mocho Falante,

Tchim-Tchim e
Um abraço.

Alien8 disse...

Teresa,

Tá-se bem, tá-se... :)

Teresa Durães disse...

eheheheh um dia deste colocam-me na rua (das amarguras) e este talento recém descoberto (e muito utilizado ultimamente) talvez dê direito a uma moedas no metro!!!

boa noite!

MariaTuché disse...

Que beleza de post e que bela homenagem aos amigos da Invicta :)

Um beijo querido amigo e desejo-te uma semana tranquila.

Bandida disse...

quem é esta senhora que tão bem escreve?... uma Deusa?!...





B.
___________________________

PintoRibeiro disse...

Abraços,

Belzebu disse...

Obrigado pela lindíssima homenagem à minha cidade! Brindo contigo, com o néctar precioso!

A invicta fica mais rica quando há gente a escrever desta forma e a partilhar as emoções!

Saudações infernais!

Teresa Durães disse...

(mais um a namorar...)

Alien8 disse...

Teresa,


E a namorar tá-se bem,
e tá-se bem e tá-se bem!

Toma lá uma moedinha :))))

Alien8 disse...

Tuché,

Obrigado! O texto da Isabel é belíssimo, como o Porto.

Tchin-Tchin!

Alien8 disse...

Bandida,

Será, será? :)

Alien8 disse...

PR,
Um abraço para ti.

Alien8 disse...

Belzebu,
Cheers!

Teresa Durães disse...

ai temos Alien D. Juan ahahhaha

Bom dia!

Bernardo Kolbl disse...

Bom fim de semana.

Alien8 disse...

Teresa,

Hehehehe!!!
Boa noite!

Alien8 disse...

OPintas/Bernardo,

Bom fim de semana!