Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

8 de ago. de 2009

Raul Solnado, irresistível, inesquecível (1929-2009)



16 comentários:

MariaTuché disse...

Mais uma bonita homenagem a este gigante.

Justine disse...

Inesquecível, insubstituível. Único!

Lizzie disse...

Nem sei o que te diga, que ando aqui às voltas com dois sentimentos: se por um lado me lembro dele como actor genial, no zip-zip e noutros sítios, por outro conheci-lhe uma faceta de que francamente não gostava.Não podia gostar.
Em termos de memória, infelizmente, talvez pelas circunstãncias, esta última pese mais. Estava integrado numa filosofia de grupo.
Enfim tudo isto é muito complicado.
Depois fui-me embora e nunca mais soube o que a idade lhe fez.

Mas, distingam-se as águas, acho que devia, profissionalmente, ser exemplo para muita gente que anda para aí.Sem talento natural e sem graça. Arrepiantes na sua banalidade.

Nunca consegui perceber aquele controlo da gaguez quando em frente ao público.Era de mestre.

Como os outros dois deviam ser exemplo para muitos locutores sem dom de português e palavra: humm, ahamm, hummm.

Infelizmente outra vez, para mim, para certo bairro de Madrid,para uma história de alívio de pesos e petiscos a meio das noites, a notícia da morte dele foi abafada, em simultãneo, por outra: a da Consuelo de que tanto já tenho falado.

Mas é assim: há dias em a vida parece tirar folgas e dar largas ao seu oposto.

E fica sempre preso na garganta o que não se chegou a dizer.

Mesmo que seja a brincar.


Grande abraço

wind disse...

Um grande Senhor! Único!
Que R.I.P.
Beijos

Alien8 disse...

Mariatuché,

Que a merece, sem dúvida.

Um abraço grande!

Alien8 disse...

Justine,

E está tudo dito!

Bom resto de semana, e melhor fim da dita.

Alien8 disse...

Lizzie,

Para mim, o que conta num artista, enquanto tal, é a qualidade da sua arte. Facetas pessoais menos agradáveis há muito quem tenha, mas não é por elas que "julgo" a produção artística (ou literária, ou...), que deve ser objectivada. É isso que está em causa neste post, é isso que fica do Raul Solnado, que não conheci pessoalmente.

As histórias que contaste da Consuelo e do tal "abrigo" onde se podia ir petiscar de pijama e/ou roupão às tantas da madrugada, que até me levaram a prometer uma visita quando fosse a Espanha, ficaram de tal modo marcadas que me entristeceu bastante a notícia da morte de alguém que nunca conheci - melhor dito, que acabei por conhecer através do que escreveste. Associo-me, certamente em menor grau, à tua tristeza, e envio-te o que posso: um enorme abraço.

Alien8 disse...

Wind,

De facto. Um grande artista.

Um beijo para ti.

Lizzie disse...

Alien:
tens toda a razão. Ninguém lhe tira o grande mérito. Nem a ele nem a outros da sua geração, todos completamente autodidactas. Estou-me a lembrar agora e de repente, da Ivone Silva, com aquele seu temperamento e aspecto de águia felina.

E,claro, que ao longo da vida aprendi a distinguir as pessoas dos artistas. Aliás são muitos os casos em que o lado menos bom fortalece a arte por eles produzida. Vê o paradigma Picasso, entre muitos outros. Ou o Rodin.
Isto foi mais um desabafo que um denegrir do actor.

Aliás, enalteci-o e expliquei a obra (daquilo que me lembro e não é muito dada a tenra idade, mas chega)aos espanhóis que nunca tinham ouvido falar dele.
Comparei-o ao Antonio Ozores, uma espécie de espelho espanhol, curiosamente também com defeitos de dicção e que interpretou, também outra vez, a guerra de 1908,que, como sabes,é originalmente um texto espanhol.

Quanto à Consuelo, manteve a força até ao fim:adoeceu de repente e a doença foi rápida no desfecho. Ainda teve tempo de deixar tudo tratado. Para bem de quem apoiava.

Foram muitos anos de convívio, simpatia e afabilidade.Todos os clientes habituais lhe vão sentir a falta. Até das "indirectas" que soavam a conselhos sensatos.
Obrigada.

Toma lá mais um abraço.

Alien8 disse...

Lizzie,

Curioso teres focado a "boa influência de partes menos boas" - estive quase a falar disso!

Sei que a Guerra de 1908 é um original de um espanhol, e uma excepção nos monólogos do Solnado, que eram todos dele.

E compreendi claramente a distinção que fizeste e o elogio que lhe fizeste - até tem mais mérito, atentas as circunstâncias. Mas... não pude deixar de separar as águas, logo eu, que tenho como um dos meus grandes autores de sempre Jorge Luis Borges, o tal que se deixou condecorar pelo Pinochet e lhe apertou a mão em frente das câmaras fotográficas e televisivas... Se fosse por esse aspecto - e correlativos -, que me repugnam, teria perdido uma enorme obra, que leio e releio com todo o prazer.

Sobre a Consuelo... ao menos foi rápido, sem sofrimento prolongado, mas isso não serve de grande consolo aos que lhe sentem a falta.

Um beijo, Lizzie. Dos dois.

Arábica disse...

Alien,

só hoje percebi que havia aqui um post novo. Junto-me na homenagem.
Tantas memórias de riso!

E ao ler a Lizzie, acabo por vir a saber de outra partida. Que também me entristece, tal foi a forma magnficamente bem contada, com que a Consuelo entrou nas "nossas vidas", no nosso imaginário, no nosso quotidiano.

Foi uma semana triste.

E aqui ficam abraços.

Alien8 disse...

Arabica,

Obrigado por te juntares à pequena homenagem. Quanto a reparar em posts, eu devo andar muito mais "distraído" - melhor dizendo, arredio.

Abraços para ti.

P.S.: Está quase a saír, o "emplastro", ou já saíu mesmo? :)

Arábica disse...

Alien,

o emplastro, o contrapeso saiu "à força" na terça feira. Ultrapassada a fase de flor de estufa inicial,
esqueço-me que o parti e dou comigo a querer movimentá-lo como era habitual. Já noto progressos.
Dia 24 vê-se se será necessária fisioterapia (que grande saga, embora desta feita, a sul da europa!!!).

Obrigada pelo cuidaddo e lembradura :)) Mais beijos.

Lizzie disse...

Pois Alien, essa do Borges nunca percebi como foi possível.

Percebo a tua posição. Ainda há tempos estive a defender a arte e o génio da Leni Riefenstahl. A pessoa face a quem defendi, embora ligada às artes, recusa-se sequer a ouvir falar em tal nome embora defenda que quem está de atestado por doença deva ter o tempo descontado nas férias e seja de um autoritarismo extremo. Uma questão de superioridade intelectual:))

E gosto do Goethe que era de uma bajulice extrema.

E o meu tão dançável Wagner, que fugia de se cruzar com criados porque a fealdade o feria:))

Não sei o que pensará disto a gata que nunca vi mais gorda nem mais magra e que me acordou a meio da noite: estava debaixo da cama a dar à luz. Quatro. Será que eles têm algum jornal miado a dizer que eu sou parteira? Que ali é a maternidade?

Agora vou trabalhar que hoje tenho que deixar uma série de coisas prontas.

E deixa-me agradecer também à Arábica.

E deixa-me mandar muitos abraços para os dois e restante "família".:))

E pronto!

Alien8 disse...

Arabica,

Memórias de riso, exactamente. E, daqui a pouco tempo, memórias do emplastro, para rir :)

Sem fisioterapia, de preferência, que já basta de incómodo, ou melhor, saga de chateação :)

Bom fim de semana e um abraço.

Alien8 disse...

Lizzie,

Pois, estamos em perfeita sintonia!

E parabéns pelos novos quatro (hehe!). Que cresçam bonitos e saudáveis, sem dar demasiado trabalho, como é devido :)

Depois hão-de ir para o Blogato, se quiseres!

Bom fim de semana e um abraço, para variar.