Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

18 de jun. de 2010

No ano da morte de José Saramago



Ouvindo Beethoven

Venham leis e homens de balanças,
mandamentos d'aquém e d'além mundo.
Venham ordens, decretos e vinganças,
desça em nós o juíz até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade
a luz vermelha brilhe inquisidora,
risquem no chão os dentes da vaidade
e mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam peçam dedos
para sujar nas fichas dos arquivos.
Não respeitem mistérios nem segredos
que é natural os homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte,
relógios a marcar a hora exacta.
Não aceitem nem queiram outra arte
que a prosa de registo, o verso acta.

Mas quando nos julgarem bem seguros,
cercados de bastões e fortalezas,
hão-de ruir em estrondo os altos muros
e chegará o dia das surpresas.

In "Os Poemas Possíveis", 1966

21 comentários:

Licínia Quitério disse...

Seria impossível permanecer para sempre connosco, mas a voz dele faz tanta falta neste país comandado por medíocres e desonestos.
Fica, claro, a obra, a grande obra do nosso contentamento.

Um abraço, num triste dia.

bettips disse...

Fica-nos a voz
as letras
... e quem sabe? nos chegará o dia dos prodígios
Abç

Maria disse...

Até o dia acinzentou...
Triste, vou ouvir o Manuel Freire. Triste...

Um abraço.

wind disse...

Lamento a morte do Senhor, reconheço a sua grande obra, só que eu nunca consegui ler nada dele.
Beijos

Lizzie disse...

Alien:

nunca fui fã dele, é verdade, muito embora tenha botado o nome de Blimunda a uma rapozinha que salvei das mãos sujas dos caçadores.

Mas parece que era uma excelente pessoa, sem a agressividade e as certezas redundantes, que manifestava nas entrevistas.

Via-as, as entrevistas, mais em Espanha que em Portugal.
Lembro-me de uma em que chamou vários nomes a Deus. Comentámos que aquilo nos parecia mais um discurso directo de quem sente a divindade mas se revolta até ao extremo da negação.
Afinal Deus, para os agnósticos como eu, não nos tropeça na vida a todo o instante.Não sabemos se é criatura ou criador.

Talvez ele concordasse com uma senhora alentejana analfabeta que guardo: "tem que haver um Deus para ter mão em nós porque somos muito maus".

Como pessoa interessantíssima que era, lamento tanto as perseguições parvas que lhe fizeram como lamento o desprezo a que foi votado o Jorge de Sena, de quem me sinto mais próxima,por vários motivos.
Goste-se ou não, quantas mais visões do mundo se criam e pensam, mais rico ele fica.
Lamento que seja preciso ganhar o Nobel para que os criadores, em Portugal, sejam celebrados desta forma.
Lamento muita hipocrisia e aproveitamentos nas barbas da sua morte.
Lamento os protagonismos de idas às varandas, lamento os discursos de quem, em Espanha, anda a abafar e a sacudir a livre expressão das artes.
Mas enfim...

Agora só ele terá a confirmação se Deus existe ou não, talvez se sentem e conversem sobre os "sins" e os nãos", sobre a obra imperfeita que é a Humanidade.
Quem me dera ser anjo para ouvir...

Um grande abraço e desculpa o desabafo.

Justine disse...

Em silêncio, serenamente, irei ouvir Beethoven...

Alien8 disse...

Obrigado a todas por terem aparecido e dito o que vos ia na alma. Um abraço.

P.S.: Lizzie, tens toda a razão.

Lizzie disse...

Alien:

é só para dizer que decidi emigrar amanhã para a estratosfera!Aprender a jogar matraquilhos!

Não estou para aturar Aljubarrotas, Filipes,pontapés, balizas, nem coisas do género:))

Não quero saber!

Ainda me dá uma birra e vou ler o Quijote traduzido (faz de conta) pelo grande, enorme, Eça de Queiroz.

E boa semana para vocês, cá na Terra:))

Rui Fernandes disse...

Afinal deus morreu e o Saramago está vivo.

Alien8 disse...

Lizzie,

Loool!
Just keep in touch!

Alien8 disse...

Rui,

Nem mais.

CLAUDIO DAMASCENO disse...

Olá, muito bom o material postado.

Veja os meus desenhos e gravuras

www.falsasimetriaclaudiodamasceno.blogspot.com

www.corduraclaudiodamasceno.blogspot.com

www.casdamasceno.blogspot.com

© Maria Manuel disse...

a minha edição de "Os Poemas Possíveis" é da década de 80 e é inevitável dizer da actualidade de muitos dos seus poemas, como este, à excepção talvez e lamentavelmente da última estrofe: não sei se as pessoas conseguirão voltar a lutar ou têm sequer certezas ou convicções de alguma coisa, como Saramago tinha e expressou na sua vida literária e fora dela.

Alien8 disse...

Cláudio, obrigado pela visita.
Tomei nota.

Alien8 disse...

Maria Manuel,

Algumas pessoas têm, outras nem tanto... Outras virão a ter, que atrás dos tempos tempos vêm, e outros tempos hão-de vir...

Obrigado pela passagem e pelo comentário.

Lizzie disse...

Alien, é só para desejar um bom fim de semana!

Ainda estou na estratosfera.
As notícias aqui chegam com interferências. Não se percebem bem e saem disparatadas.
Por exemplo, no meio de schhhhhhss, percebi que um futebolista fez birra porque quis ser depilado, todinho, todinho ele, antes de um jogo e depois de ter feito fraca figura ficou grávido e teve um filho que nasceu de madrugada na maternidade facebook.

Também percebi que a Central Sindical dos Astrólogos, Videntes e Espíritas, presidida pelo Sr. Prof. Karamba, decretou uma greve por tempo indeterminado por tal classe trabalhadora ter sido substituída por um polvo chamado Paul, residente num aquário.
Ando a pensar comprar uma mosca. Vou-lhe chamar Mary.

Pensava eu que a Terra vista daqui era verde e azul mas não é. É vermelha, amarela e cor de laranja.

Sou tão azelha que ainda não consegui jogar matraquilhos: os jogadores ficam espetados num pau e não correm como eu lhes mando. Cá para mim comem demais.

Então adeus, até ao meu regresso (se não levar com um meteoro na cabeça).
Abraço para ti, para a família e para os comentadores e assim.

Schhhhhhhhhhh....

Rui Fernandes disse...

Tem piada essa Lizzie... Então, obrigado pelo abraço que me coube e retribuo.

Alien8 disse...

Lizzie,

As notícias chegam mal, mas chegam :)
O pobre do Paul vai acabar em arroz, prevejo eu. E que não caia a Mary no prato :)
Esse problema dos matraquilhos começou a acontecer-me há uns tempos. Antes corriam que se fartavam, agora estão para ali feitos bonecos e é um castigo para marcar um golo (para não falar do desgraçado do guarda-redes).

Até ao teu regresso, que não há meteoro que te derrube! :)

Um abraço.

Alien8 disse...

Olá Rui,

Bom fim de semana! :)

Lizzie disse...

Alien:

pois que estou cheia de sono:))

Agora que já acabaram os matraquilhos e ninguém me pergunta quem quero que ganhe, já voltei.:)

Nem imaginas os elogios que ouvi ao tal guarda redes. Na rua, no supermercado, em todo o lado. Até cheguei a pensar que o mocinho nasceu espanhol:)
Por incrível que pareça, houve quem chorasse com ele.
(Por acaso não chorei porque não vi dado o retiro na estratosfera.)

Por outro lado, os espanhóis comuns não perdoam, a um "burro com pernas" não ter cantado o hino do seu país, as demonstrações privadas de estrela, "gillipolas" vaidoso, ter dito coisas idiotas sobre um certo 7-0,e, espanta-te, não ter lutado pela coesão e luta pela vitória, nomeadamente no jogo com Espanha.
E que Portugal merece mais que aquele xxxxxxx, mais yyyyyyy e zzzzzz e a paternidade entornou o copo.
E mais umas coisas...

Ele há, por isso, alturas em que uma pessoa não sabe se está na Av. da Liberdade ou na Alcalá:))

Espero que, no conjunto, te tenhas divertido com os trajectos das bolas.

Boa semana e abraço.

Alien8 disse...

Lizzie :)

No conjunto diverti-me. Também me diverti agora a ler a tua crónica, mas isso já não é novidade:)

Estou satisfeito por a Espanha ter ganho. Já mereciam um Mundial há muito tempo. E, afinal, só perdemos com o campeão. Por um golo. Irregular :) Mas deixemos isso, a Espanha tem melhor equipa, sem vedetas cretinas, e mais nada.

Qué viva España, coño!

Um abraço dos grandes!