Aliencake
Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.
24 comentários:
Muito bom. Um amanhecer entre espelhos quebrados. Sem nunca perderes o ritmo. Poesia limpa e límpida. Cada vez melhor, Mário Poeta!
PS - sem entrar em comparações inadequadas, acho que andamos dentro do mesmo tema. O meu último chama-se Enlouquecer, muito menos conseguido, mas andam pela mesma cidade perdida.
Venha ele, Licínia! Se calhar não serão inadequadas:)
Grato pela visita e pelo comentário.
Fabuloso e muito forte!:)
Beijos
foi a primeira vez que meti o dente num alien. estava docinho.
O meu é o último postado no Sítio do Poema. Até tenho medo da tua reacção...
da eleição da noite, "silenciosa e tensa" (isto diz-me muito!), lugar de fuga ou refúgio das "paredes de navalhas" e dos "espelhos quebrados" (como diz a Vanda, imagens intensas das realidades humanas), ou de ilusão de "mares inventados" e árvores fantásticas com vagas luzes ao fundo, como se de um sonho -
Citando o Poeta:
"No amanhecer de ti cabem
todas as janelas
porque és a dimensão
onde as viagens são possíveis..."
Beijos grandes
Que belíssimo canto nocturno, que forte tapeçaria de palavras duras e certeiras.A poesia é sempre uma arma, e esta tua é bem afiada!
Parabéns, Alien:))
Licínia,
Claro que já lá fui constatar :)
Agradeço as tuas palavras, lá e cá :)
Wind,
Obrigado e beijinhos. Eu já lá passo :)
Rui,
Docinho seria a última coisa que eu diria deste escrito, mas pronto, tu lá sabes. O bolo, esse era doce, realmente :)
Maria Manuel,
É óbvio que compreendes o "código". E isso não me surpreende, depois do que já li escrito por ti. Cada um tem direito à sua leitura, naturalmente. Acontece que há quem faça precisamente a minha (ou uma das minhas, que haverá outras menos confessáveis...). É também o caso da Licínia e da Vanda. E da Lola, mas essa não vale :)
Lola,
Esse amanhecer é outro, bem sabes :))
Beijinho e obrigado por citares o poeta, seja ele quem for :)
Justine,
Também tu me percebes. Pudera!
"À l'École de la Poésie on n'apprend pas. ON SE BAT!".
Beijos.
CLAP; CLAP; CLAP!
Muito bom maninho. Não creio que este texto seja apropriado para comentários...vale sim, saborar cada palavra.
kisses alienígenas
Muito bom! Mesmo que a madrugada seja uma árvore perdida, nem importa onde...
Alien:
que as incongruências levem a que o silêncio quebre os espelhos, é só uma questão de tempo. Na maior parte das vezes é só uma questão de tempo.
Só os deuses são imunes às navalhas que apunhálam a coerência entre o corpo e a sombra.
A sombra é mais verdadeira que o corpo. Pelas sombras se adivilham os fantasmas que habitam o corpo. A sombra conta a verdadeira história da alma. Veêm-se melhor os gestos, os movimentos e o olhar não se distrai com o que o corpo oferece. As sombras são donas orgulhosas de todos os segredos.
Por isto tudo, crio-te o cenário e no cenário.Pinto-te num palco. Imagino-te a vaguear no meio das sombras, autónomas no foco de luz nocturna.
Ninguém te mandou falar em "vagas luzes de automóveis ao longe, na estrada.":)), cá para mim, e se calhar é disparate completo, o verso chave.
Mas é assim, quando "traduzo" e transporto para a minha sombra é porque gosto.:)
E boas viagens na semana, de preferência, com os espelhos inteiros porque o mar, esse, inventado ou não, tem sempre uma sombra em cada onda.
Abraço x 2
Mana DS,
Obrigado pelo aplauso :)))
Beijinhos alienígenas.
Maria,
Perdida para que se encontre, um pouco à maneira da Florbela? :)
Obrigado!
Lizzie,
Essa tua teima de me pores num palco ainda vai dar mau resultado, ai vai sim, apesar de já não dizeres "a dançar" :)
Quanto ao verso-chave, pois se aquele o é para ti, então é porque o é. Certo?
Assim se constroem jogos de luz e sombra. O que é a vida, afinal?
Obrigado pelo comentário, um abraço.
Alien:
Certíssimo, que é uma das virtudes da arte contemporãnea o cada um escolher o verso que lhe dá na realíssima gana.
E não disse que ias dançar porque aqui podes ficar quieto! Fica pois descansado quanto a esse particular:))
Só vou é botar alguém a dançar à tua volta.
E vai ensaiando a tua expressão facial que sou muito esquisita com isso.
Em relação a luzes e sombras, hoje estou baralhada porque um carro veio desencabestado e bateu no meu e eu bati com a cabeça, porque não estava à espera deste enredo,coño, e senti os pensamentos a chocalhar ainda mais do que é costume e vi sombras em todo o lado,ai tantas...mas como estou a escrever aqui para desejar bom fim de semana, presumo que ainda não morri e que a cabeça continua teimosamente agarrada ao corpo embora, de vez em quando, me apetecesse que ela fosse dar uma volta:))
Quem não tem tais apetites?
Abraço!
ps: qualquer dia conto-te porque é o verso chave.
Ótimo Texto, Parabéns.
dá uma passada no meu blog também.
http://otaviomsilva.blogspot.com/
Forte Abraço
Lizzie,
Expressão facial, ok. Quieto, se for capaz. Mas de que me queixo? Estou no palco, e nenhum carro me bateu...
Espero bem que a cabeça esteja no sítio :)
E fico à espera do porquê do verso-chave!
Bom fim de semana e um abraço dos dois.
Otavio,
Obrigado pela visita e pelo comentário.
Postar um comentário