Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

6 de jul. de 2011

IDENTIDADE

Preciso ser um outro 
para ser eu mesmo 

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

14 comentários:

Maria disse...

Obrigada pelo poema.
Mia não se vê muito por aí...

Beijo.

Justine disse...

Todos somos muitos - eu sinto-me também um pouco Mia Couto!
Obrigada, Mário:)) Abracinho

Teresa Durães disse...

parece que escolhetse esse poema para mim. credo! estou mesmo má!


beijos

wind disse...

Gosto imenso de Mia Couto:)
Beijos

bettips disse...

Um brincar de palavras, sentidas. Como é bela a nossa língua comum!

E de amigo em amigo nos encontramos.
(passei no poema que assoma à janela) Para vós, abraços amigos.

Lizzie disse...

Já que vou de férias, não quero ir sem vos deixar um grande abraço!

Daqueles fruto de uma identidade sólida e inteira.

Até breve

Alien8 disse...

Estamos todos de acordo quanto ao Mia Couto! Ainda bem :-)

Boas férias, Lizzie, retribuímos o teu abraço.

Boas férias a quem estiver ou for de férias, um abraço para todas.

Menina Marota disse...

O outro eu... que todos temos...

"...
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço"

Um abraço :-)))

Alien David Sousa disse...

Gostei, apesar da mana não ser uma fã de poesia. Tás lá maninho.
Kisses alienígenas

© Maria Manuel disse...

sempre excelente, Mia Couto, criador de poemas e de palavras.

abraço.

Alien8 disse...

MM, ManaDS, Maria Manuel,

Grato pelas visitas e comentários.
Estou a pensar reactivar este blogue dentro de algum tempo. Ainda não sei quando, mas estou a pensar muito seriamente nisso.

Teresa Durães disse...

Olá! Tenho um convite no meu blog!

Anônimo disse...

As pontes
as pontes
tão bonitas as pontes, Mário!
Porque sabemos sempre o bem que nos querem, o bem que nos pensam, o bem que nos desejam.
Bjinho da bettips (depois de vir do sítio em que poemas e pedras e estátuas,
acontecem, um girar, uma roda linda...)

Alien8 disse...

Um beijo, Bettips :)