Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

27 de fev. de 2010

Segundo Plano II

Como uma linha errática que houvesse
Numa hipótese de que se partisse
Até chegar àquilo que acontece
E decidir o que se decidisse
Num plano inclinado onde rolasse
A esfera que a memória produzisse
Na parcela do corpo que ficasse
E ficando cada vez mais me fugisse
Como brilho de prata que não fosse
O pó de solidão que o vento trouxe
Espírito do que arde sou. 
geometria_e_perspectiva_6
                                                                Portanto
O que navega ao contrário de mim
O que produz por puro desencanto
Cartas de marear um mar sem fim
Corpo inclinado onde rola a memória
Sobre a esfera da sombra transformada
Em permanente desafio à História
Até que tudo se desfaça em nada
E a solidão do plano resultante
Me projecte um compasso mais adiante

40 comentários:

Teresa Durães disse...

desculpa citar-te (não gosto de o fazer)

"Em permanente desafio à História
Até que tudo se desfaça em nada
E a solidão do plano resultante
Me projecte um compasso mais adiante"

como identifiquei-me tanto.

Lindo poema, lida a melodia que fazes com as palavras, sempre tua fã (acredites ou não)

wind disse...

Belíssimo poema, como todos os teus:)
Achei este fortíssimo e profundo!
Beijos

Alien8 disse...

Teresa,

Podes citar-me à vontade!
Somos fãs um do outro, pelo visto :)
Ainda bem que gostaste. De novo!

Alien8 disse...

Wind,

Muito obrigado! É por isso que escrevo, que continuo a escrever.
Um beijo.

Lizzie disse...

Uma visão nada euclidiana, Alien, nada certa e rigorosa, como se réguas e esquadros fugissem às normas encomendadas.
É, por isso, mais uma visão de olhos livres, porque sentidos. É uma paisagem de contrários e não me espantaria que as árvores corressem e os mares estabilizassem as ondas.
O instante sem tempo num espaço inventado, porque absolutamente pessoal.

E, pois, a vertigem de Ercher (saltando uns séculos por cima da gravura).

E, como sempre, cheio de movimento e muito cenário, tanto...cheio de visualizações.
Enfim, é um grande elogio, muito dançável e performativo:)

Abraço e boa semana.

Lizzie disse...

ps.e, já agora, como já deves ter reparado, não sou muito fã dos pura e exclusivamente "euclidianos":))

Alberto Oliveira disse...

Sorte a tua! que ainda fazes planos. Eu sou mais para o repentista e isso bem me tem tramado. Um gajo com o coração ao pé da boca, nunca deu bom resultado e até Picasso sabia disso... Mas não falemos das minhas misérias.
Gostei do teu poema e de saber que já por cá andas há quatro anos. Bem podes dizer que "parece impossível" pois também digo o mesmo e já cá cantam seis aninhos feitos em Dezembro passado. Mas creio que isto tem uma explicação: quando se gosta de fazer algo, até nos sentimos mal em terminar.
Do tornedó apenas provei um pouco: o meu médico proibiu-me todos(?) os picantes.

Abraço.

Arábica disse...

É interessante, cito exactamente o mesmo que a Teresa cita: por isso pergunto (me) seremos todos corpos na espera de um plano que nos projecte mais adiante?

Quanto a este belissimo poema, ele próprio uma carta de marear pessoal, mas transmissivel (como se vê pelos nossos comentários) aqui fica um obrigada por o partilhares connosco.

Quero mais :))

Um grande abraço.

Justine disse...

Tudo de pernas para o ar.Alógica é subvertida todos os dias.A realidade não é o que parece. Resta-nos a poesia e a sabedoia dos afectos...
Gostei muito:))

Alien8 disse...

Lizzie,

Ora bem, eu escrevo para a dança :)))
Escher foi bem lembrado, sem dúvida.
De resto, haverá sempre momentos euclidianos e outros que nem por isso... Mas o lugar deles não é a poesia. Quase nunca, vá lá.

Pessoal? Sem dúvida. Transmissível também, como mais abaixo escreveu a Arábica.

Muito obrigado!

Beijos

Alien8 disse...

Legível,

Antes de mais, tira os picantes e pronto, come o resto :)

Depois, os meus planos surgem geralmente de repente, depois ficam parados À espera, mais tarde desenvolvem-se (ou não), enfim, são mais os planos que me fazem a mim...

Na realidade, ando por cá há cerca de 5 anos, prque comecei noutro blog, entretanto abandonado, mas ainda aberto... Mas 6 anos é melhor, por isso te faço a minha vénia :)

E fico satisfeito por teres gostado.

Um abraço.

Alien8 disse...

Arabica,

Quanto à tua pergunta, acho que sim.
Espero que sim.

Não tens que agradecer, eu é que tenho. Obviamente.

E vais ter mais, prometo. :)

Um abraço.

Alien8 disse...

Justine,

Obrigado, antes de mais.

A subversão da lógica cada vez me parece mais a imitação da realidade... precisamente porque "a realidade não é o que parece.".

O que nos reta ainda vai bastando, acho.

Bom fim de semana.

Lizzie disse...

Alien,
vê lá como são as coisas: às vezes mandam-nos (mais a mim, coitadinha) coisas para ler: acha que é dançavel? Depois,na maior parte dos casos, pessoalmente (grande tragédia) ou por mail (só tragédia)temos que dizer que não, não senhor. Com justificação, quando merecida. E quando merece, custa dizer que não. Que não tem nada de apelativo para a função.

Isto é muito complicado mas...

vens tu e botas-me a visualizar "enredos" performativos:))

Bom fim de semana, abraço, que vou enredar para outra freguesia:))

Alien8 disse...

Lizzie,

Estás à vontade para coreografar, dançar e mandar dançar o que escrevo hehehehehe! "Enredos" performativos! Boa! :)

Bom fim de semana, já começado.
Um beijo.

Teresa Durães disse...

Olá,

Obrigada pela divulgação! Assim, qualquer dia sou mesmo conhecida ahahahahahah

(e não é que o meu filho quer que eu vá toda arranjadinha e anda a conspirar? lá se vão as calças de ganga e os casacos do Decatlon lol ainda vais ver uma Teresa que não é bem a Teresa eheheh não sei como hei-de fugir a isso)

Alien8 disse...

Deixa lá, que eu talvez também mude o visual:P Não podes fugir, o marketing é assim mesmo:)

Quem sabe se para aquele que tu pensavas que eu tinha eheheheh!
Um permalink no teu post dava jeito, assim a imagem só liga para o blog.

E não tens nada que agradecer!

Arábica disse...

Portanto,

os que ardem e somos

lá nos encontraremos
_na zona de concentração :)

Abraço

Alien8 disse...

Eheheh! :)
Bem visto!
Um beijo.

bettips disse...

O poema conjuntivo
se se soubesse
antes de,
se se adivinhasse
...daríamos um outro passo e "um compasso
mais adiante".
Gosto do falar-poesia, como quem respira ou navega em palavras, simplesmente.
O resto disse na mesa abaixo!!!
(e às tantas a V. ainda nos junta, já estivemos por um fio)
Boas noites aí

Alien8 disse...

Bettips,

Realmente, já estivemos por um fio, e espero que em breve o fio desapareça :)

Obrigado por gostares. E por apareceres sempre.

Bom fim de semana!

Lola disse...

O gerundio e o conjuntivo em futuros a haver e presentes e passados muito cheios e sempre marginais aos quadrados e ás hipotenusas.

Beijos grandes

Alien8 disse...

Lola,

O Gerúndio foi passando, passando... e ficou lá para trás.

Sobraram pretéritos imperfeitos, presentes circulares e futuros pseudo-planificados :)

Beijinhos.

Arábica disse...

Alien, bonita a homenagem a Jean Ferrat, o qual já aqui, nesta tua mesa grande, tinha sido clebrado através da sua música.

Esperamos então pelo momento da concentração. :))

Um abraço, bom domingo

Alien8 disse...

Arabica,

Creio que sim, celebrando a Mulher.

Esperemos :)

Um abraço e igualmente :)

augusto, um entre mil disse...

um poema, uma oração...

wind disse...

Bela homenagem que prestas a Jean Ferrat com estas bonitas músicas:)
Também gosto dos Parasomnia Noise:)
Beijos

Teresa Durães disse...

(só agora reparei, tu és um Alien de Portugal????)

Alien8 disse...

Augusto,

Quem lê é que sabe. Obrigado pela visita.

Alien8 disse...

Wind,

Ele merece.
Os Parasomnia também. Poder dar-lhes uma ajudinha, se quiseres:

Concurso Superbock Super Rock - Página da banda no concurso - Opção de voto na barra da esquerda!>

Beijos.

Alien8 disse...

Teresa,

Decididamente, não percebes nada disto. O que está indicado é a LOCALIZAÇÃO.

Ou seja, estou por cá para ver o que se passa. Excepto quando faço as minhas viagens intergalácticas.

Queres saber para onde? Infelizmente, não posso revelar esse tipo de pormenores... :)

wind disse...

Registei-me e votei:)
Tudo de bom para eles, Alien:)
Beijos

Alien8 disse...

Obrigado, Wind :)
Beijinho.

Alberto Oliveira disse...

Então desta vez é que é. Tanta gente que se escreve a ver-se ao vivo e a cores é sempre um acontecimento.

Essa da Teresa ir com um noutro visual é que me intriga. Espero que dê para a reconhecer...

Abraço.

Alien8 disse...

Também espero!
E lá estaremos.
Abraço.

Maria disse...

Animada a conversa por aqui.
E já percebi que vamos estar todos no mesmo local à mesma hora sem saber quem é quem - pelo menos eu! :)))))

Tenho de voltar com mais tempo para te ler.

Um abraço.

Alien8 disse...

Olá, Maria!

Alguns sabemos, outros não, mas vamos sair de lá a saber mais. Quanto ao "sentados", isso é que já não sei :)

Volta sempre que quiseres, és muito bem-vinda.

Outro.

Alien8 disse...

Maria,

Mas de onde é que eu tirei o "sentados"??? As minhas desculpas. É tarde e devo precisar de mudar de óculos de leitura...

Maria disse...

Umas horas depois deixo-te um abraço de parabéns...

Uns conhecia outros não. Fiquei a conhecer...

:))
Bom domingo.

Alien8 disse...

Obrigado, Maria, bom domingo para ti:)
Um abraço.