Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

25 de abr. de 2006

O caminho de Abril

25 de Abril sempre!


Foi há trinta e dois anos. Tem sido um pouco todos os dias, que a vida é feita de avanços e recuos. Mais importante que a meta é o caminho. Continuaremos na estrada de Abril, e os que vierem depois de nós e depois dos que vierem depois de nós serão mais livres, mais justos, mais sábios, mais felizes.

Um dia, o 25 de Abril será uma data distante na História. Para muitos que o não viveram, já é. Esses são certamente mais felizes do que os que suportaram o salazarismo, a PIDE, a censura, as "medidas de segurança", os "tribunais plenários", a prisão, a tortura, a guerra colonial, o corporativismo, a Mocidade Portuguesa, a Legião, o ar irrespirável do dia a dia.

Não que hoje estejamos bem. Mas estamos melhor, muito melhor. Mais importante, temos agora nas mãos uma maior possibilidade de fazermos do futuro o que quisermos. Por pequena que seja, há que aproveitá-la. Não existe outro caminho senão o que percorrermos em busca da paz, da justiça social, da felicidade. Seja qual for a forma como viajamos, que ideias há muitas e práticas quase tantas.

Um bom 25 de Abril para todos.


ABRIL
Pela esperança naufragada
num oceano invisível,
pela palavra ancorada
na margem do que é possível,

pela angústia vacilante
que nos arde no desejo,
pelo silêncio cortante
que nos atraiçoa o beijo,

pelo sorrir-se da ideia
na carne de sonho e espanto,
pelo abrir-se da veia,
cansada de esperar tanto,

pelas gotas de outra vida
nos nossos corpos despertos,
pela areia corrompida
na foz dos nossos desertos,

no gesto enfeitado de plantas, de estrelas,
de gritos, de garras,
na força escondida nos templos ritmados
das nossas guitarras,
na pele ansiosa, no tacto irritado
da nossa memória,
na doce semente do amor combatente
fazemos a História.

31 comentários:

maloud disse...

O caminho ainda é longo, mas valeu a pena.

Um grande 25 de Abril para si.

Alien8 disse...

Maloud,
Valeu a pena, sim. Por muito longo que ainda seja.
Obrigado, para si também.

wind disse...

É isso aí:)Tudo o que escreves é acertado, és sábio.) Nada a acrescentar. Bom 25 de Abril e que nunca morra em pessoas como tu, eu e outras tantas. beijos

Anônimo disse...

Viva o 25 de Abril!
Não esqueço a imensa alegria que se via em toda a gente naquela manhã cinzenta de Abril,que de repente se encheu com a cor vermelha dos cravos...
Estamos livres!
É necessário lembrar aos mais novos e aos outros que não se aperceberam, que antes do 25 do Abril, os nossos jovens morriam aos milhares na guerra em África;quando íamos ao estrangeiro, tínhamos vergonha de dizer que éramos Portugueses,porque nos censuravam sempre as torturas e a guerra colonial;que o meu Avô, o meu Pai e tu passaram pelas masmorras da PIDE.
Que eu vivi 2 anos com a Polícia na faculdade, a assistir ás aulas!!
Que vi pessoas serem espancadas na Av. dos Aliados, no Porto, pela polícia de choque.
Que nada do que nós todos escrevemos hoje,a sério e a brincar, seria possível, sem a Revolução de Abril...

Beijos

Lola

Caracolinha disse...

Amigo 8 ... várias coisas para te dizer ...

Primeiro, VIVA A LIBERDADE e tudo aquilo que de bom ela nos trouxe ... !!!! :))))

Segundo, escolhemos para este dia tão significativo, o mesmo cantor, o genial Zeca Afonso !!!!

Terceiro, que recebi a música espectacular, que já te mandei um mail a agradecer e que já a ouvi vezes sem conta, como faço com todas as músicas de que gosto !!!!

Quarto, que continua a ser um privilégia poder cruzar-me com pessoas sensíveis e inteligentes, como tu, e alguns dos amigos que temos em comum, e que tudo isso devemos, também, a todos aqueles e aqueleas que lutaram para que sejamos livres e possamos criar laços fortes e empatias, mesmo à distância !!!!

Quinto ... para te deixar um beijinho em forma de cravo vermelho para ti e toda a tua família desta molusquinha que agradece sempre o facto de vos ter conhecido a todos !!!!

Deixo também um ... :))))))))

Cristina disse...

é verdade, se há uma coisa que me angustia é ouvir a malta nova dizer "que é tudo igual", que não entende de facto o que é que é diferente. triste...

beijocas, 25 de abril sempre:))

Alien8 disse...

Wind,
Sábio? Quem me dera! Mas há coisas em que acerto :)
Não há hipótese de o 25 de Abril ser esquecido. Munca, aconteça o que acontecer neste país cada vez mais a derrapar para o vazio.
Beijos.

Alien8 disse...

Lola,
Cada um com as suas experiências, e dessas todas se faz a memória colectiva e se retira a força para continuar, quando já parece impossível. Mas não é.
Neste 25 de Abril, um grande beijo para ti. Sei que continuaremos, À nossa maneira, a lutar lado a lado por aquilo em que acreditamos.

Alien8 disse...

Caracolinha,
Viva a Liberdade, a música, o Zeca!
Para mim, para nós, tem sido também um privilégio encontrar por aqui pessoas como tu, alegres, sempre a fazer rir os outros, e ao mesmo tempo a dizer-lhes coisas sérias e importantes. A inteligência e a sensibilidade passam também por isso.
Já li o teu mail. Gostarás de saber que os Neverend eram a banda do meu filho Luis, e que a "You" foi composta por ele :) Infelizmente, estão agora separados, por motivos pessoais, mas não é impossível que regressem.
Um cravo vermelho para ti, e um beijinho de toda a família. O mesmo para os teus.

Alien8 disse...

Cristina,
Curiosamente, os mais novos que dizem que é tudo igual tiveram a sorte de não conhecer o diferente. É má a ignorância, mas ao mesmo tempo significa que esse passado é coisa morta e enterrada. Essa malta nova teve a sorte de não conviver com uma realidade horrível. Como a Lola escreveu acima, há que explicar-lhes o que foi, para que nunca mais volte a ser.
25 de Abril sempre, claro.
E um beijo.

Alien8 disse...

Oalcoviteiro,
Bom dia para si também, apesar de já ser um bocado tarde...

Parrot disse...

Caro Alien8,

Sinceramente, de tudo o que li hoje sobre o 25 Abril, este foi o melhor texto, e de alguma forma é o reflexo da forma que vês a vida. Gosto de pessoas assim.
Parabéns ;-)
Eu não me lembro do 25 de Abril, mas sei o que passou a minha família, e sei bem que é uma conquista....quanto mais não seja, por podermos estar aqui a escrever livremente.
Muita coisa existe para fazer, mas ainda bem, é sinal que temos a oportunidade de contribuir, cada um à sua maneira, para um Portugal melhor. Como dizia hoje o editorial do JN, "podemos estar na cauda da Europa.....mas temos liberdade".

Abraço

Alien8 disse...

Parrot,
Obrigado, escrevi o que sinto :)
Este exercício da liberdade é a prova mais evidente do que o 25 de Abril foi, e é. Sim, há muito para ser feito. Aceitemos o desafio de futuro.
Um abraço.

LM disse...

O grande legado daquele dia é que abriu caminhos.
Depende de nós seguir ou não por esses caminhos.
Para quem não viveu o antes, o que deve ser transmitido é que,ao contrário de hoje,que temos todas as alternativas, naquela altura não havia.
Hoje,a realidade poderia ser consideralmente melhor, provavelmente porque as alternativas que temos escolhido não são as mais válidas.
Mas hoje temos esse direito.
O da escolha.
É esta a grande lição que deve ser passada a todos aqueles que nasceram depois.
Beijos

Pêndulo disse...

Bem dito LM

Alien8 disse...

LM,
Exactamente. Foi uma das coisas que tentei transmitir.
Beijos

Alien8 disse...

Pêndulo,
Remeto para o meu comentário anterior.

maloud disse...

Eu gostava de ter visto o Salazar a lidar com o fenómeno da net. Não havia PIDE que chegasse, para as encomendas.

Alien8 disse...

Maloud,
Bem observado! Mas lembra-se da licença de isqueiro? O homem às tantas inventava uma licença de modems ou placas de rede ou qualquer coisa do género, e controlava os utilizadores. Já o conteúdo da utilização seria muito mais complicado de controlar. Pois se até os jornais sabiam como iludir a censura...

maloud disse...

Alien
Eu lembro-me da licença de isqueiro, mas desde os 18 anos, quando o meu pai me deu o primeiro isqueiro, sempre usei sem licença. Aliás o meu pai sempre fez o mesmo. Com certeza, não nos mandavam para Caxias, por causa dessa treta.

Alien8 disse...

Maloud,
Por causa da licença de isqueiro, não. Agora pelo que se lesse ou escrevesse na internet, era mais que certo.

Anônimo disse...

Olá Alien8
A minha recordação do 25 abril ainda está nitida na minha cabeça. Era uma criançinha, quando um livro com quase 200 páginas, todo desenhado por crianças e escrito em jeito de poesia também por elas, entre os 4 anos e os 12 anos, acerca do 25 abril. Foi assim, que tomei conhecimento da realidade do 25 de abril. Atravès de ilustração e poesia. Ainda, guardo o livro algures todo desfolhado/Partido/. Estranhamente foi por aí que começei a gostar de poesia, porque era tão simples e sábias as palavras que as crianças escreviam. De alguma forma, todos os anos me lembro recordando esse livro.Recordo-me de ver os cravos espalhados pelas páginas, e em especial um: um cravo num cano de uma espingarda, enquanto em background dois rapazes mortos, se encontravam prostrados sobre um carro de guerra e o sangue escorria tão igual à cor do cravo. ( só uma coisa, o livro não me foi oferecido, mas, eu roubei ele a alguém e o guardei dos olhos de todos e ás escondidas embriagava-me com ele.O livro era mesmo importante ao meus olhos de criança.Emocionava-me!!!)
A frase contida no livro que não me saia da cabeça era: VIVA a LIBERDADE, viva a liberdade e viva a liberdade!!! Muitas vezes desenhada em preto com nuances vermelhas, como se ela tivesse sido conquistada a punho em meio ao sangue que das visceras haviam sido arrancado com dor e ardor!!

A liberdade de um povo, de uma nação é algo dificil de atingir, e falar e escrever sem grades também é um processo longo e de batalhas. Com o fim do salazarismo a expressão do povo( todos nós, sem olhar a hierarquias de classe) pode se manifestar com mais aceitação, na base do respeito e iguladade sobre o que pensamos. Mas, sabemos que a expressão seja ainda uma teia cheia de prisões.

Até que não estamos tão mal, neste pequeno território á beira mar plantado. Porque se olharmos para lá da nossa janela portuguesa, temos outras nações em que impera a repressão, a falta de igualdade e respeito, logo a guerra. Por isso temos que dar "graças" por não teremos sido afundados e o 25 de abril ter sido só uma pequena libertação. Um povo, uma nação só conhece o valor da liberdade se antes tiver sido um prisioneiro do sistema erguido por um ditador.
só é pena que nem sempre as lições são aprendidas!!!

um abraço.
NãoSouEuéaOutra.

Anônimo disse...

Alien
Venho só deixar-te 1 beijinho.
Tenho a nave espacial á espera.
(toma conta dos gatinhos)
Beijos
Lola

Anônimo disse...

tinha eu 17 anos e estava no liceu António Enes quando começaram a dar as noticias pela rádio, os professores andavam agarrados aos transistores e tentavam explicar-nos o que se passava.Nunca mais me esqueço desse dia apesar de na altura não ligar á politica (ainda hoje não ligo)mas não há dúvida que foi um dia inesquecível e com muito significado para todos nós.beijo para ti mano

Caracolinha disse...

Pois amigo 8 ... os meus mais sinceros parabéns para ti e para a linda mãe do vosso Luís ... têm um filho que é um excelente compositor e que trata a música com carinho e respeito, oxalá todos pudessem dizer o mesmo ... a música é de uma qualidade impressionante, a letra linda e a voz da vocalista espectacularmente harmoniosa ...

Nem imaginas o que eu admiro as pessoas talentosas que conseguem, para além de descobrir os seus dons, corporalizá-los desta forma ... já mostrei a música a amigos mais próximos e a receptividade foi a melhor posível !!!!

Eu sou uma pessoa que acredito nas reconciliações a todos os níveis porque também acredito na nossa infinita capacidade para sermos felizes ... e como ser feliz também passa por fazer o que se gosta, já estou como dizes ... "não é impossível que regressem" ... e como era bom que regressassem para poder homenagear todos aqueles que, como eu, não passam sem música, ainda mais, com música de excelente qualidade.

Um beijinho para ti, para a tua (linda) mulher, para o Luís e uma festa geral na gataria ... o Freud (o meu cão) manda também um abraço aos gatos ... ele dá-se bem com todos os animais !!!!

Fica um :)))) enorme e a felicidade de vos sentir uma família unida e feliz !!!!

A amiga molusca ... ;)

Mocho Falante disse...

Espero que o dia tenha sido comemorado da melhor forma, olha eu vergonhosamente passeio o dia de sofá para sofá entre um canal e o dvd..enfim perfeita pasmaceira

abraços

Alien8 disse...

NãoSouEuÉAOutra,
Pois que viva a liberdade, e vivam os livros que dela fazem poesia. A tua forma de conhecer o 25 de Abril foi, sem dúvida, original! Ainda vais dando uma vista de olhos ao livro, não? :)
E é destas pequenas libertações que se vai fazendo a libertação maior.
Obrigado pela tua visita e pelo teu comentário.
Um beijo.

Alien8 disse...

Lola,
Tudo sob controle :) Já sei que a nave aterrou bem. Diverte-te muito, congressa um bocado e vai dando notícias.
Um beijinho.

Alien8 disse...

Guida,
Não ligas à política, mas... vais ligando a alguns dos seus desenvolvimentos... :)
Obrigado pela visita,
um beijo para ti e para todos aí.

Alien8 disse...

Caracolinha,
O Luis vai ficar todo babado quando lhe mostrar o teu comentário :)
Obrigado por gostares da música dele. Em breve colocarei aqui outra, agora faço um intervalo e recuo um bocado no tempo...
Mesmo que não regressem, ele há-de ter sempre uma banda, e continuará a compor.
A família agradece e retribui os teus beijinhos, a gataria, agora aumentada com mais cinco nascidos no 25 de Abril :), mia de agradecimento :)))
Uma festinha ao Freud,
Beijocas para ti.

Alien8 disse...

Mocho Falante,
Não é vergonha nenhuma, cada um comemora como quer :))
Um abraço.