Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

8 de jun. de 2006

Passeio

I


Viemos devagar como quem longamente se interroga. Sugerimo-nos a espuma, e o que ficou foi sombra.

Ao sabor dos ventos procurámos os planos secretos da paisagem. Respondeu-nos o frio de muralhas erguidas em pedra antiga, orgulhosas, serenas, quase transparentes. No vértice da luz semeámos uma pátria inconsolável, uma pátria de estrelas e cantigas e automóveis deitados em círculo na relva. Subimos os degraus e não havia escada. Havia sede. Lá mais acima o céu ria-se, quem sabe se de nós. Olhámos em volta, e novamente em volta. As coisas giravam, parecia. As coisas sempre eram coisas, e tinham cores e cheiros.

E, de repente, o mar.




II


O mar surpreendeu-nos, secreto e silencioso. Desprendendo-nos de nós, procurámos os sons que nos situassem, o onde, o como, o se.

- Está frio...

A voz surgiu de súbito, talvez do mar, talvez do nada.

- Está frio.

A minha voz, único som aparente na estranheza da tarde, no divergir da luz. Ou seria a tua? Agarrámo-nos à voz, âncora de um inesperado crepúsculo rodeado de muralhas cada vez menos transparentes.

Lá em baixo, os automóveis levantavam-se. Comiam a relva, tranquilos, cerimoniosos, em círculo, sempre em círculo. A pátria inconsolável levantou a manta do piquenique e dobrou-a com cuidado, já a pensar na próxima vez.

Era tempo. Começámos a descer as coisas que sempre eram coisas, a escada que não havia, a ponte da tarde, os cheiros e as cores.

- Está frio.

23 comentários:

Parrot disse...

Amigo Alien8

Parabéns....gostei muito deste texto e, para mim, vem mesmo a propósito....coisas da "vidinha". O mar é surpreendente..... surpreende.....encanta....e consegue ser silencioso.

Abraço

Alien8 disse...

Caro Parrot,
Há coincidências...
Gostei de que tenhas gostado.
Um abraço.

Teresa Durães disse...

Parabéns Alien! Gostei!!!!!

Estás a perder o medo e a começar a colocar aqui o que escreves?

Alien8 disse...

Teresa,
Obrigado! E não te riste nem nada. Hehe!
Não é medo, realmente. É outra coisa qualquer, que não consegui ainda definir bem. Mas vou continuar, devagarinho.
Neste caso, a parte I escrevi-a há um ano, a parte II escrevi-a ontem.
Boa noite e boa escrita.

wind disse...

De repente pareceu-me estar a ler "A espuma dos dias" de Boris Vian". Isto é um elogio:)
Ao mesmo tempo senti um desencanto, uma depressão na 2ª parte que se contrapões à magiada1ª parte que associei ao 25 de Abril 74 até agora. Não ligues, são apenas delírios meus:)
beijos

MariaTuché disse...

Olá amigo Alien :))

Estou a reflectir sobre o teu post...

Beijosssss

Alien8 disse...

Wind,
Quem me dera, quem me dera! ("A Espuma dos dias"). Como diz mais abaixo o K'mrd, "é dos meus dias". :)
Um beijo.

Alien8 disse...

Grhiba,
É dos meus dias, K'mrd, é dos meus dias. Talvez também dos teus. Neste dia gostaste, o que é bom para mim.
Um abraço.

Alien8 disse...

Olá Tuché,
Fico à espera das conclusões da tua reflexão :)))
Beijinhos.

maloud disse...

Alien
Um ano é demais, mas não é suficiente. Gostei.

Alien8 disse...

Maloud,
Palavras sábias. Obrigado.

Teresa Durães disse...

(Alien... Estamos à espera de mais...)

Maeve disse...

E depois acordaste...:)

Alien8 disse...

Teresa,
Há-de vir, mais tarde...
Boa noite.

Alien8 disse...

Maeve,
Bem-vinda ao blog.
Ainda não acordei :)

Alien8 disse...

Sem Cerimónia,
Muito grato pelo elogio.
Boa noite.

PA disse...

II
.
...Está frio.
Porque sem ti estará sempre frio.
E tu afinal ... não estavas lá.
.
Alien8,
apeteceu-me continuar a parte final do seu texto.
Não ligue.
Hoje comi cogumelos mágicos (a mais).
Beijinhos
Diana F.

Alien8 disse...

Cara Diana F.,

Continuar o meu texto é mais do que eu poderia esperar. Faz-me lembrar uma experiência que fizemos por aí há tempos, com a Cristina e outros amigos.

Que tal os cogumelos? :)

Boa noite, bom fim de semana,
Um beijinho.

Alien David Sousa disse...

Sim senhor mano, um Alien a escrever bem!! :D Tenho um sorriso de orelha a orelha, gostei!

Lola disse...

Alien
Excelente texto.
Se pensarmos que foi escrito por um ET, melhor ainda.
Depois podemos embarcar na nave que pairava sobre a relva, e partir em direcção ás estrelas...:):):)
Beijos
Lola

Lola disse...
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Alien8 disse...

Mana,
Ainda bem, ainda bem :))
Assim também me rio!
Boa tarde e boa noite.

Alien8 disse...

Lola,
É muita bondade tua. Que diabo fizeste à nave, hein? :)))
Beijinho.