Aliencake

Foi numa tarde de sábado, de encontros, reencontros e desencontros, de estreia literária e café, tudo prolongado em noite, jantar e mais café, ficando no entanto curto o tempo. De súbito, aparece-me pela frente um bolo com a minha cara. Um bolo com rosto de Alien. Olhei-o uma e outra vez, e só não me belisquei porque dói um bocado, convenhamos. Mesmo a aliens. As pessoas cantavam os parabéns e batiam palmas, eu ouvia e agradecia, mas mal tirava os olhos do bolo. Fizeram-me pegar nele com uma mão, perante a apreensão de alguns circunstantes, e conduzi-lo, ou deixar que me conduzisse, à mesa improvisada. Vivendo desde sempre em terrível dúvida sobre a minha origem e condição, houve um instante luminoso em que tudo se revelou. "Sou um bolo, afinal sou um bolo!" - exclamei para mim mesmo, entre alguma perplexidade e o alívio de uma certeza há muito tempo aguardada. Foi sol de pouca dura. Lá tive que partir o bolo. Lá tive que me cortar à faca em fatias que rapidamente desapareceram. Ao que parece, estava bom, eu. O facto é que, apesar disso, ainda estou vivo. Não serei, então, um bolo? Serei apenas a recordação dele? Felizmente, a fotógrafa estava lá. Serei assim talvez a fotografia de um bolo. Há piores destinos. Há piores fins de tarde-noite de sábados de lançamentos de livros, encontros, reencontros, desencontros, jantares, cafés, aniversários e ainda mais. Muito, muito piores, garanto-vos.

17 de abr. de 2006

Porque hoje são 17 de Abril...

A 17 de Abril de 1969 iniciava-se em Coimbra uma importante fase da luta estudantil por uma universidade nova e por um país novo. A presença do Almirante Américo Thomaz na inauguração do edifício das Matemáticas, a recusa em permitir a intervenção do Presidente da Associação Académica de Coimbra, Alberto Martins, na referida cerimónia, a prisão, na noite do mesmo dia, deste dirigente estudantil, a reacção imediata dos estudantes, foram o rastilho para a decretação do luto académico e as subsequentes greves às aulas e aos exames.
No decurso do processo, que viria a alastrar a Lisboa e ao Porto, o reitor Andrade Gouveia e o ministro da Educação, Hermano Saraiva, foram demitidos. Vale a pena seguir o link acima indicado (texto e fotos no site da AAC), para saber mais sobre uma fase importante da luta contra a ditadura.







Flores para Coimbra

Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.

Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.

Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.


(Manuel Alegre)

16 comentários:

maloud disse...

Coimbra esteve sempre na primeira linha da luta contra a ditadura, quer em 62, quer em 69. Lisboa só avançou em 69/70 {eu estava lá} e o Porto fez de conta que avançou.
Era interessante ver o entusiasmo da burguesia portuense do reviralho, com o que se passava em Coimbra e depois em Lisboa, contrastando com o amorfismo da maioria dos estudantes da UP.

Alien8 disse...

Maloud,
Conheço alguns ex-estudantes da UP que me matariam se lhes dissesse tal coisa :)
Coimbra, 1968/69, conheço bem a história...
Obrigado pelo comentário.
Boa noite.

LM disse...

Em 1969,eu ainda era pequenina.
Conheço esse processo só pelo que li, mas espero que haja alguém que o recorde sempre.
Boa noite.

maloud disse...

Eu estou casada com um da UP de engenharia. Como cá em casa, as minhas opiniões vão prevalecendo, ele admite há longos anos que a UP não riscava. Mas, para ser justa, ele lutou com muito mais riscos do que eu. No 25 preparava-se para passar à clandestinidade, enquanto eu me preparava, para mais umas férias além Pirinéus.
Nem ele passou à clandestinidade, nem eu fui de férias. Nada era tão palpitante como a pátria dessa época.

Alien8 disse...

LM,
Bem-vinda ao Título Qualquer Serve.
Eu recordá-lo-ei sempre. E muitos, como eu, conservarão a sua memória, e até algo mais...
Gostei de te ver por aqui. Volta sempre que te apetecer.
Boa noite.

wind disse...

Tal como LM em 69 tinha 6 anos, não vivi esses tempos, mas já li e vi comentários sobre isso e não há dúvida que sem a ajuda dos estudantes tanto aqui como principalmente em França, a revolução das mentalidades não se teria feito. beijos

Alien8 disse...

Maloud,
Parece que a UP só começou a riscar alguns anos mais tarde, diz-me aqui uma companheira que andou por lá em Medicina. Será verdade?
Clandestinidade, férias além-Pirinéus, não está mal o contraste. Nem eu voltei a Moçambique. Mas a última frase é que ganha a batalha.

Alien8 disse...

Wind,
Foram contributos importantes, porque foi - e é - deles que se faz a História.
Beijos.

Caracolinha disse...

Abaixo c'o eles todos !!!! :))))

Aí homem o que eu ADDDOOORROOOO o Manuel Alegre ... ainda me lembro da figuro tristissíma que fiz numa praia perto da Ericeira num dis de Verão e de calor lindissímo a chorar convulsivamente a ler "Um Cão Como Nós" ... este homem tem no olhar a mesma doçura que põe nas palavras ...

Eh lá, ainda continuo em extase com esse teu novo look ... se algum produtor de hollywood bater aqui com a retina arrastam-te logo para a próxima Guerra das Estrelas (ou que raio de nome tem essa coisa, que aqui a molusca é um analfabeta da ficção científica) !!!!

Jinhos para ti e família !!!! :)

maloud disse...

Meu caro Alien,
O masoquismo não é o meu forte. Partidos espartanos também não. Eu gosto do dolce farniente e troquei, nesse ano, o além-Pirinéus pelas campanhas de alfabetização {o meu pai ía caindo da tripeça}, porque era uma experiência imperdível. Fiquei vacinada em desconforto, para sempre, e aprendi a cozinhar, senão morríamos de fome. Também salvei a minha "brigada" {era cada nome}de ser linchada. Quando vi o caso mal parado, falei do meu avô, e a partir daí era tudo o que os meninos quisessem. Até ficámos dispensados da hipócrita ida à missa, porque o pai da menina e os tios não iam lá muito com a padralhada.
O que ia passar à clandestinidade sempre achou piada a este meu lado "louco" e temo-nos divertido bastante. Atura-me tudo: as loucuras, as fúrias, as depressões. Quer casamento mais conseguido?

Alien8 disse...

Caracolinha,
Abaixo, pois! Ainda bem que gostas do meu novo look, só que eu não volto para a Guerra das Estrelas, já de lá venho :)))
Beijocas.

Alien8 disse...

Spartakus,
Não gosta de Alegre? Mas que grande surpresa ;)
Eu apareço, sim, mas onde?

Alien8 disse...

Cara Maloud,
Quem não gosta do dolce far'niente? Eu cá gosto. E lá também. E acho muito interessante puxar dos galões na devida altura, pois então! É o chamado caciquismo de esquerda, e dá um gozo enorme. Não que eu tenha galões, nem sequer gosto deles como bebida, mas lá para os sítios onde eu andava nos tempos do 25, falava-se, na província, no Partido do Dr. Rui Alves. Que não era eu, mas funcionava muito bem. Assim como em: "Ah, é do Partido do Dr. Rui Alves? Então vou â sessão de esclarecimento. Conte comigo!".
Folgo muito que o seu casamento seja tão conseguido, embora o sumário que dele faz me pareça um tanto unilateral, ou seja, a Maloud não atura nada? Hmmm....

maloud disse...

Claro que aturo. Ele é muito dogmático. Ele dá muita importância àquilo a que eu chamo a familória: mâe, tios, etc. Ele percebe pior os problemas da prole, mas tem a mania que é um expert. Desde que deixou de fumar há 11 anos, volta meia volta vem subrepticiamente com o cigarro "Que pena esta casa na Provença ser para não fumadores! Era giríssima!" ou "Está aqui um restaurante de estrela Michelin. Ah! mas é não fumador". Leva logo o troco "Vai tu e diverte-te! Desde que tenha o Amex não me perco!"
Agora tenho de reconhecer que eu sou mais difícil de aturar do que ele. E, que quando o nosso cadet deu problemas graves, entretanto completamente resolvidos, eu fui para o psiquiatra, e ele aguentou sózinho a mãe aos fanicos e os despautérios do filho. Por outro lado atura com superior competência a minha mãe, o que é dose. Ela vive a 300m e ele vê-a mais vezes que eu. Eu fujo dela como o diabo da cruz e quase só lhe falo telefonicamente.
Portanto os pratos da balança devem estar um pouco desequilibrados, não acha?

Alien8 disse...

Parece-me bem que sim... mas depende sempre da balança... Eu só deixei o cigarrito há cinco anos. Teve que ser. De vez em quando, apetece-me um cigarro daqui até Lisboa, mas resisto, que não tenho outro remédio. E ela também não fuma. Enjoou o cigarro, benza-a Deus, que assim foi muito mais fácil. Não sabia que existia "superior competência" no aturar de sogras, mas é bem feito, que é para aprender. Tarde demais, no entanto.

Alien8 disse...

Maloud,
Já me esquecia. Eu apanho o ARTE com a powerbox.